PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 BIOGRAFIA AUGUSTO DOS ANJOS


1884 – No dia 20 de abril no Engenho Pau d´Arco, município de Cruz do Espírito Santo – PB, nasceu o poeta. Filho do Bacharel Alexandre Rodrigues dos Anjos e da dona de casa Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, cognominada Sinhá Mocinha. O casal teve nove filhos: Otávio e Juliana, que morreram na infância, Francisca, Artur, Odilon, Augusto, Alfredo, Aprígio e Alexandre.
No dia 27 de fevereiro de 1885 Augusto foi batizado na Capela do Senhor do Bonfim, no Engenho, em cumprimento a promessa feita a São João Batista. Oficiou o batismo o Padre Antonio Pereira de Castro, sendo padrinho o tio Acácio Fernandes de Carvalho. Foi amamentado pela negra Guilhermina;
O pai, Dr. Alexandre, serviu de professor secundário aos filhos, num dos salões da casa grande, transformando em escola. Além das aulas de conhecimentos gerais, impunha aos filhos aulas de catecismo. No contato com a gente simples do engenho, as crianças absorviam os conhecimentos da cultura popular, crendices, histórias de assombração, mulas sem cabeça e supertições diversas;
Augusto gostava de charadas, logogrifos, enigmas pitorescos e adivinhações, aprendidas com o pai.
1900 – Inicia os estudos no curso de Humanidades no Liceu Paraibano, em João Pessoa, Paraíba, sob o regime de exame vago, que facultava a freqüência, mas exigia o conhecimento de toda a matéria nos exames.
1903 – Em fevereiro, matricula-se na Faculdade da Direito do Recife.
1905 – Em 13 de janeiro, paralítico e afásico, morre o pai Alexandre Rodrigues dos Anjos, no Pau d´Arco;
Em 09 de março Augusto presta exame escrito de Direito Constitucional, abordando o conceito de Direito, sendo aprovado plenamente com grau 9 (nove);
Em 11 de março presta exame escrito em Direito Internacional, falando sobre o tema “O Que se Entende por Expedição”, aprovado com grau 9 (nove);
Em 14 de março presta exame escrito em Direito Civil, falando sobre o tema “Sociedade Conjugal”, aprovado com grau 9 (nove).
1906 – Matricula-se no 4º ano do Curso de Direito.
1907 – Em 08 de abril é aprovado nos exames da Faculdade de Direito do Recife, com grau 9 (nove) e matricula-se no 5º ano, sob o número 88;
Em 02 de dezembro é aprovado com distinção em todas as cadeiras e forma-se em Direito pela Faculdade de Direito dom Recife.
1907/1910 – É –professor particular de Humanidades em João Pessoa.
1908 – Leciona no Instituto Maciel Pinheiro;
Em 20 de fevereiro pôs anuncio no jornal A União, nos seguintes termos: O Bacharel Augusto dos Anjos ensina particularmente as matérias constitutivas do Curso de Madureza, podendo ser procurado à Rua Visconde de Pelotas, nº. 6. Outrossim, leciona Filosofia, Direito Romano, Direito Civil e Direito Criminal, de acordo com os programas da Faculdade de Direito do Recife;
Em 14 de setembro noiva com Ester Fialho (Humberto Nóbrega reproduz fax-simile do cartão de comunicação do contrato de casamento com a EXª.SRA.D. Ester Fialho, datado de 14 de 19 de 1908);
Associado a Abel da Silva, assume o controle do Instituto Maciel Pinheiro, famoso externato localizado à Rua Barão do Triunfo, nº. 65, em João Pessoa.
Colabora no Jornal NONEVAR.
1909 – Em 13 de maio profere Conferência sobre o 17º aniversário da Abolição da Escravatura, no Teatro Santa Roza, na presença do Dr. João Lopes Machado, Presidente da Paraíba, sendo bastante criticado por seu hermetismo e até pedantismo;
Em 05 de maio é nomeado Professor Interino de Literatura no Liceu Paraibano;
Nesse ano abandona o Instituto Maciel Pinheiro;
No Jornal da Festa das Neves, NONEVAR de 1909 sai a notícia do noivado de Augusto;
Passa a colaborar com o Jornal A UNIÃO.
1910 – Em 4 de julho, casa-se com Ester Fialho, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, contígua ao Palácio do Governo. Celebrou o casamento o padre Joel Esdras Lins Fialho, tio da noiva. Foram testemunhas Dr. Rômulo de Magalhães Pacheco e o coronel Orestes José de Azevedo Cunha. O Ato Civil ocorreu no mesmo dia, na casa da noiva, feito pelo juiz de Direito, Dr. José Ferreira de Novais, tendo como escrivão Belizário Pereira Lima Wanderley Filho e como testemunhas o professor Francisco Xavier Júnior, Dr. Aprígio de Carvalho Rodrigues dos Anjos, o coronel Orestes Cunha e esposa, Dr. Rômulo Pacheco, Dona Maria José Fernandes de Araújo;
O casal passou a morar na casa da mãe da noiva, Dona Miquelina Amélia Monteiro Fialho, à Rua Direita, k318, em frente à redação do Jornal a União;
Em 10 de agosto o Engenho Pau d´Arco é vendido, para pagamento de dívidas, a Joaquim Francisco Vieira de Melo, o Dr. Quincas do Engenho Novo. Da venda, coube a Augusto e a Ester, a quantia de um conto e quinhentos;
Em 27 de agosto Augusto vai ao Palácio pedir licença do Liceu Paraibano para viajar ao rio de Janeiro. O Governador, Dr. João Machado, negou o pedido por ser Augusto interino na Cadeira;
Demite-se do Liceu Paraibano, por não conseguir licenciar-se;
Continua a colaborar com o NONEVAR;
Em 6 de setembro embarca com a mulher no barco Acre, com destino ao Rio de Janeiro. A viagem foi noticiada pelo Jornal Estado da Paraíba;
Em 13 de setembro chega ao Rio, sendo recebido pelos irmãos Odilon e Alfredo, pelo Dr. Francisco Seráfico da Nóbrega e por Santos Neto, entre outros. Hospeda-se numa pensão no Largo do Machado, nº. 37;
Em 17 de setembro escreve à mãe comunicando o novo endereço: Avenida Central, nº. 1 ou Praça Mauá, 73. Continua sem emprego até o final do ano.
1911 – Em 2 de fevereiro morre seu primeiro filho, prematuro de sete meses;
Ministra aulas particulares para completar o orçamento familiar;
Em 29 de abril comunica à mãe o emprego de Professor de Geografia, Corografia e Cosmografia do Ginásio Nacional, nome anterior do hoje Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro;
Em 01 de maio comunica à mãe que está morando numa casa emprestada por Eugênio de Sá Pereira;
Em 21 de julho passa a morar numa pensão à Rua São Clemente, 510, em Botafogo;
Em 05 de novembro comunica à mãe nova mudança de endereço, desta vez para a Rua Marechal Hermes, 42, em Botafogo;
Em 23 de novembro nasce, no Rio de Janeiro, sua filha Glória Fialho Rodrigues dos Anjos;
Após o nascimento da filha, muda-se para a casa da família Cunha Lima;
Em dezembro publica no O País o seguinte anúncio: O Professor Augusto dos Anjos prepara alunos para o exame de admissão nos cursos superiores e ensina diversas matérias do Curso de Direito, podendo ser procurado das aulas às cinco horas da tarde à Avenida Central, nº. 129, Escola Remington.
1912 – Leciona Geografia na Escola Normal, dirigida por José Veríssimo, como regente interino;
Em abril é convidado pelo Ministério da Agricultura para fazer parte da Comissão Examinadora no concurso de admissão a uma Escola de Agricultura recém criada;
Em 10 de maio comunica à mãe o novo endereço: Pensão Brasileira, à Rua Haddock Lobo, nº. 123;
Em 6 de julho termina a impressão do Eu, seu único livro, edição de mil exemplares, custeada pelo irmão Odilon dos Anjos, no valor de 550.000 réis;
Augusto diz em carta à mãe que A própria Academia Nacional de Medicina incluiu-o em sua biblioteca por tratar do haeckelismo e do evolucionismo spenceriano.
Em 29 de setembro diz à mãe, em carta, que Fábio Luz, na Revista Brasil Moderno, na coluna Registro, lhe faz uma crítica, mas diz que o EU representara a estrondosa estréia de um grande poeta;
Em outubro muda-se mais uma vez, para a Rua Aristides Lobo, nº.23, esquina com a Rua Malvino Reis;
Em 13 de novembro muda-se para a Pensão Rio de Janeiro, à rua Haddock Lobo, 99;
Em 15 de novembro realiza-se o batizado de Glória, adiado várias vezes, na Matriz de Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado. O oficiante foi o Padre Álvaro César, paraibano, a madrinha foi Dona Sinhá Duprat, representando a mãe de Augusto, Sinhá Mocinha, e como padrinho, Odilon dos Anjos.
1913 – Em 12 de junho nasce seu filho Guilherme Augusto dos Anjos. Foi batizado em 5 de janeiro de 1915, na Matriz de São Sebastião, na cidade Leopoldina, pelo Cônego Júlio Fiorentini. Foram padrinhos Dr. Rômulo de Magalhães Pacheco e Dona Miquelina Amélia Monteiro Fialho, avó materna da criança. O pai já havia falecido em 1914;
Continua lecionar em diversos estabelecimentos de ensino;
Nesse ano, Santos Neto lança seu livro Perfis do Norte, com um capitulo dedicado à Augusto;
Em 01 de agosto muda-se para a Rua D. Delfina, 56, na Tijuca.
1914 – Em 01 de julho é nomeado Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em Leopoldina, Minas Gerais, pelo Dr. Júlio Bueno Brandão, por intercessão do Dr. Rômulo Pacheco, seu concunhado;
Muda-se mais uma vez para uma Pensão, onde estivera antes, na Rua Aristides Lobo, nº. 23, No Rio Comprido, enquanto se prepara para se mudar para Leopoldina, MG;
Os jornais O País e a Época noticiam a partida de Augusto com a família para Leopoldina;
Em 22 de julho transfere-se para Leopoldina com a família;
Em 23 de junho A Gazeta de Leopoldina publica a notícia de sua chegada. Visita o grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em companhia do Dr. Rômulo Pacheco, sendo recebidos pela Diretora Interina, D. Maria Brígida de Medeiros Castanheiras;
Em 24 de junho toma posse como Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, posse registrada no Livro nº.1 de Compromissos e Termos de Posse e Anotação Pessoal, folha 10, nos seguintes termos: Aos vinte e quatro dias do mês de junho de mil novecentos e quatorze compareceu à minha presença o Dr. Augusto dos Anjos e, exibindo o decreto de sua nomeação de Diretor do Grupo “Ribeiro Junqueira”, datado de 1º de junho do corrente ano, expedido pelo Governo do Estado, ao mesmo deferi o compromisso legal, empossando-o naquele cargo. E para contar lavrei este termo, que vai por mim e pelo Dr. Diretor assinado. Leopoldina, 24 de junho de 1914. (a) O inspetor escolar municipal Aristides Sica. Augusto dos Anjos. Como Diretor do Colégio recebia um ordenado de 250 mil-réis mensais que, com gratificação, perfaziam um total de 330 mil-réis mensais;
Em 14 de agosto foi cantado pela primeira vez o Hino à Caridade, com letra de Augusto e musicado por J. Tavares Pinheiro, em festa beneficente promovida pela esposa do médico Dr. Custódio Junqueira, da Casa de Caridade Leopoldinense.
Doente de pneumonia, desde 30 de outubro, falece no dia 12 de novembro, às 4 horas da manhã, em Leopoldina, onde permanece até hoje... Segundo os historiadores, pediu à esposa que os filhos fossem educados na Paraíba de seus antepassados, despediu-se da esposa, abençoou os filhos pequeninos e pediu, num esforço, que mandasse dizer a Dona Mocinha que derradeiro pensamento era em sua homenagem: Mande as minhas lágrimas para minha mãe.
Às 17 horas do mesmo dia foi sepultado no nº. 149 do Cemitério de Nossa Senhora do Carmo, em Leopoldina, Minas Gerais, onde permanece seus restos mortais.
¹ Dados obtidos nos seguintes trabalhos: BUENO, Alexei. Augusto dos Anjos: obra completa. Organização, fixação do texto e notas Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994,883p.; GUEDES, Linaldo. Paraíba: Nomes do Século – Augusto dos Anjos. João Pessoa: A União, 2000; MAGALHÃES JR., Raimundo. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira/Brasília: INL, 1977,329p.; NÓBREGA, Humberto. Augusto dos Anjos e sua época. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 1962.334p.; RAMOS, Adauto. Augusto dos Anjos: resgate histórico. Sapé: Prefeitura Municipal de Sapé, 2002; VIDAL, Ademar. O outro EU de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, 265p. p. 11.

 Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

*****

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

 

*****

Vozes da morte

Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura,
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!

Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!

Não morrerão, porém, tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,

Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nos amamos,
Depois da morte inda teremos filhos!

VERSOS A UM COVEIRO

Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais:

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!

O POETA DO HEDIONDO

Sofro aceleradíssimas pancadas
No coração. Ataca-me a existência
A mortificadora coalescência
Das desgraças humanas congregadas!

Em alucinatórias cavalgadas,
Eu sinto, então, sondando-me a consciência
A ultra-inquisitorial clarividência
De todas as neuronas acordadas!

Quanto me dói no cérebro esta sonda!
Ah Certamente eu sou a mais hedionda
Generalização do Desconforto...

Eu sou aquele que ficou sozinho
Cantando sobre os ossos do caminho
A poesia de tudo quanto é morto!

O CAIXÃO FANTASTICO

Célere ia o caixão, e, nele, inclusas,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens
Oriundas, como os sonhos dos selvagens,
De aberratórias abstrações abstrusas!

Nesse caixão iam, talvez as Musas,
Talvez meu Pai! Hoffmânnicas visagens
Enchiam meu encéfalo de imagens
As mais contraditórias e confusas!

A energia monística do Mundo,
À meia-noite, penetrava fundo
No meu fenomenal cérebro cheio...

Era tarde! Fazia multo frio.
Na rua apenas o caixão sombrio
Ia continuando o seu passeio!

 

MISTÉRIOS DE UM FÓSFORO

Pego de um fósforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o
Depois. E o que depois fica e depois
Resta é um ou, por outra, é mais de um, são dois
Túmulos dentro de um carvão promíscuo.

Dois são, porque um, certo, é do sonho assíduo
Que a individual psique humana tece e
O outro é o do sonho altruístico da espécie
Que é o substractum dos sonhos do indivíduo!

E exclamo, ébrio, a esvaziar báquicos odres:
- "Cinza, síntese má da podridão,
"Miniatura alegórica do chão,
"Onde os ventres maternos ficam podres;

"Na tua clandestina e erma alma vasta,
"Onde nenhuma lâmpada se acende,
"Meu raciocínio sôfrego surpreende
"Todas as formas da matéria gasta!"

Raciocinar! Aziaga contingência!
Ser quadrúpede! Andar de quatro pés
E mais do que ser Cristo e ser Moisés
Porque é ser animal sem ter consciência!

Bêbedo, os beiços na ânfora ínfima, barro,
Mergulho, e na ínfima ânfora, harto, sinto
O amargor especifico do absinto
E o cheiro animalíssimo do parto!

E afogo mentalmente os olhos fundos
Na amorfia da cítula inicial,
De onde, por epigênese geral,
Todos os organismos são oriundos.

Presto, irrupto, através ovóide e hialino
Vidro, aparece, amorfo e lúrido, ante
Minha massa encefálica minguante
Todo o gênero humano intra-uterino!

É o caos da avita víscera avarenta
- Mucosa nojentíssima de pus,
A nutrir diariamente os fetos nus
Pelas vilosidades da placenta? -
Certo, o arquitetural e íntegro aspecto
Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele
Morre, sou eu, sois vós, é todo aquele
Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto!

É a flor dos genealógicos abismos
- Zooplasma pequeníssimo e plebeu,
De onde o desprotegido homem nasceu
Para a fatalidade dos tropismos. -
Depois, é o céu abscôndito do Nada,
E este ato extraordinário de morrer
Que há de na última hebdômada, atender
Ao pedido da célula cansada!

Um dia restará, na terra instável,
De minha antropocêntrica matéria
Numa côncava xícara funérea
Uma colher de cinza miserável!

Abro na treva os olhos quase cegos.
Que mão sinistra e desgraçada encheu
Os olhos tristes que meu Pai me deu
De alfinetes, de agulhas e de pregos?!

Pesam sobre o meu corpo oitenta arráteis!
Dentro um dínamo déspota, sozinho,
Sob a morfologia de um moinho,
Move todos os meus nervos vibráteis.

Então, do meu espírito, em segredo,
Se escapa, dentre as tênebras, muito alto,
Na síntese acrobática de um salto,
O espectro angulosíssimo do Medo!

Em cismas filosóficas me perco
E vejo, como nunca outro homem viu,
Na anfigonia que me produziu
Nonilhões de moléculas de esterco.

Vida, mônada vil, cósmico zero,
Migalha de albumina semifluida,
Que fez a boca mística do druida
E a língua revoltada de Lutero;

Teus gineceus prolíficos envolvem
Cinza fetal!... Basta um fósforo só
Para mostrar a incógnita de pó,
Em que todos os seres se resolvem!

Ah! Maldito o conúbio incestuoso
Dessas afinidades eletivas,
De onde quimicamente tu derivas,
Na aclamação simbiótica do gozo!

O enterro de minha última neurona
Desfila... E eis-me outro fósforo a riscar.
E esse acidente químico vulgar
Extraordinariamente me impressiona!

Mas minha crise artrítica não tarda.
Adeus! Que eu veio enfim, com a alma vencida
Na abjeção embriológica da vida
O futuro de cinza que me aguarda!