Poetas Antigos

Cronologia da vida de Gregório de Mattos e Guerra,
conhecido como Boca do Inferno ou Boca de Brasa.

1636 – A data comumente aceita para o nascimento de Gregório de Mattos e Guerra é a de 23 de dezembro de 1636, mas alguns biógrafos podem apresentar a possibilidade de ter ocorrido em março de 1623. O poeta nasceu em Salvador, Bahia, e era filho de Gregório de Mattos (natural de Guimarães, Portugal) com Maria da Guerra. Os Mattos da Bahia eram uma família abastada, formada por proprietários rurais, donos de engenhos, empreiteiros e funcionários da administração da colônia.

1642 – Devido à condição financeira de sua família, Gregório teve acesso ao que havia de melhor em educação na época e pôde estudar no Colégio dos Jesuítas, em Salvador.

1650 – Viaja para Portugal, onde irá completar seus estudos.

1652 – Ingressa na Universidade de Coimbra.

1661 – Formatura em Direito. Nesse mesmo ano, casa-se com D. Michaela de Andrade, proveniente de uma família de magistrados.

1663 – É nomeado Juiz de Fora de Alcácer do Sal, Alentejo, por D. Afonso VI.

1665-66 – Exerce a função de Provedor da Santa Casa de Misericórdia no mesmo local.

1668 – No dia 27 de janeiro é investido da incumbência de representar a Bahia nas Cortes, em Lisboa.

1671 – Assume o cargo de Juiz do Cível, em Lisboa.

1672 – Torna-se Procurador da Bahia em Lisboa por indicação do Senado da Câmara.

1674 – Novamente representante da Bahia nas Cortes, em Lisboa. Nesse mesmo ano, é destituído da Procuradoria da Bahia e batiza uma filha natural, chamada Francisca, na Freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa.

1678 – Fica viúvo de D. Michaela com quem sabe-se que teve um filho do qual não há registros históricos.

1679 – É nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia.

1681 – Recebe as Ordens Menores, tornando-se clérigo tonsurado.

1682 – É nomeado Tesoureiro-Mor da Sé, por D. Pedro II. Como magistrado de renome, tem sentenças de sua autoria publicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas. Isto viria a acontecer novamente em 1685.

1683 – No início do ano, depois de 32 anos em Portugal, está de volta a Bahia, Brasil. Meses após seu retorno, é destituído de seus cargos eclesiásticos pelo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus, por se recusar a usar batina e também por não acatar a imposição das Ordens maiores obrigatórias para o exercício de suas funções. É nessa época que surge o poeta satírico, o cronista dos costumes de toda a sociedade baiana. Ridiculariza impiedosamente autoridades civis e religiosas.

1685 – É denunciado à Inquisição, em Lisboa, por seus hábitos de “homem solto sem modo de cristão”.

168(?) – Ainda na década de 1680, casa-se com Maria de Póvoas (ou “dos Povos”). Desta união, nasce um filho chamado Gonçalo.

1691 – É admitido como Irmão da Santa Casa de Misericórdia da Bahia.

1692 – Paga uma dívida em dinheiro à Santa Casa de Lisboa.

1694 – Seus poemas satíricos contra o Governador Antonio Luiz Gonçalves da Câmara Coutinho faz com os filhos deste o ameacem de morte. O Governador João de Alencastro, amigo de Gregório, e outros companheiros do poeta armam uma forma de prendê-lo e enviá-lo à força para Angola, sem direito a voltar para a Bahia. Isto causa profundo desgosto a Gregório. Ainda nesse mesmo ano, envolve-se em uma conspiração de militares portugueses. Interferindo neste conflito, Gregório colabora com a prisão dos cabeças da revolta e tem como prêmio seu retorno ao Brasil.

1695 – Retorna para o Brasil e vai para o Recife, longe de seus desafetos na Bahia. Morre no dia 26 de novembro, antes de completar 59 anos, de uma febre contraída em Angola.

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MANUSCRITOS – Enquanto viveu, seus poemas circulavam de mão em mão, de forma manuscrita, ou de boca em boca, no aspecto oral.

OBRAS PUBLICADAS – As obras de Gregório de Matos somente foram publicadas no século XX, entre 1923 e 1933, pela Academia Brasileira de Letras, em seis volumes:

I. Sacra
Contém todos os poemas religiosos.

II. Lírica
Contém todos os poemas lírico-amorosos.

III. Graciosa
Contém poemas que exploram o humor.

IV e V. Satírica
Contém todos os poemas que exploram a sátira.

VI. Última
Contém poemas misturados.

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Nunca em vida Gregório de Matos publicou um livro, e suas poesias, colecionadas e publicadas apenas por seus admiradores, sobrevive até hoje em antologias. A principal antologia foi a feita pela ABL no começo do século.

 Buscando o Cristo Crucificado um Pecador com Verdadeiro Arrependimento

     A vós correndo vou, braços sagrados,
     Nessa cruz sacrossanta descobertos,
     Que, para receber-me, estais abertos,
     E, por não castigar-me, estais cravados.

     A vós, divinos olhos, eclipsados
     De tanto sangue e lágrimas cobertos,
     Pois, para perdoar-me, estais despertos,
     E, por não condenar-me, estais fechados.

     A vós, pregados pés, por não deixar-me,
     A vós, sangue vertido, para ungir-me,
     A vós, cabeça baixa, pra chamar-me.

     A vós, lado patente, quero unir-me,
     A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
     Para ficar unido, atado e firme.

     Gregório de Matos

 

***

- Nasce o Sol, e não dura mais que um dia

 

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria. 
 

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

***

Gregório de Matos

 
Soneto " do estudante"

 
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,

Medíocre o vestido, bom sapato,

 Meias velhas, calção de esfola-gato,

Cabelo penteado,  bom topete.


 Presumir de dançar, cantar falsete,

Jogo de fidalguia, bom barato,

Tirar falsídia ao Moço do seu trato,

 Furtar a carne à ama, que promete.


A putinha aldeã achada em feira,

Eterno murmurar de alheias famas,

Soneto infame, sátira elegante.

Cartinhas de trocado para a Freira,

Comer boi, ser Quixote com as Damas,

 Pouco estudo, isto é ser estudante.

 

*****

Conselhos a qualquer tolo para parecer fidalgo, rico e discreto



     Bote a sua casaca de veludo,

     E seja capitão sequer dois dias, 

     Converse à porta de Domingos Dias, 

     Que pega fidalguia mais que tudo. 


     Seja um magano, um pícaro, um cornudo,

     Vá a palácio, e após das cortesias 

     Perca quanto ganhar nas mercancias,

     E em que perca o alheio, esteja mudo. 


     Sempre se ande na caça e montaria, 

     Dê nova solução, novo epíteto, 

     E diga-o, sem propósito, à porfia; 


     Quem em dizendo: "facção, pretexto, efecto".

     Será no entendimento da Bahia

     Mui fidalgo, mui rico, e mui discreto.

 

 
CELEBRA O POETA O CASO, QUE SUCCEDEU A HUA FREYRA DO MESMO
CONVENTO A QUEM OUTRAS FREYRAS TRAVESSAS LHE MOLHARAM O
TOUCADO, COM QUE PERTENDIA FALLAR À SUA AMANTE.
 
 

    1    Pelo toucador, clamais,
          e em confusão me meteis,
          porque se enxuto o quereis
          como sobre ele chorais?
          quanto mais suspiros dais,
          novos extremos fazendo,
          vai vosso dano crescendo,
          e é mui mal esperdiçado
          sobre a perda do toucado
          andar pérolas perdendo:

 

    2    Mas um peito lastimado,
          que tem em pouco essas sobras,
          dirá, pois chora por dobras,
          que o deixem chorar dobrado:
          ditoso o vosso toucado
          nas lágrimas, que chorastes,
          pois tão bem desempenhastes
          as vezes, que vos ornou,
          que se até aqui vos toucou,
          de pérolas o toucastes.

 
           3    Porventura, Nise, achais,
                 que mais bela a touca estava
                 ao tempo, que vos toucava,
                 do que agora a toucais?
                 não vedes, não reparais,
                 que aqueles vãos ornamentos
                 umedecidos, e lentos
                 de aljôfares derretidos,
                 o que estão de mui caídos,
                 isso têm de mais alentos?

    4    Chorais com razão tão pouca,
          que estão todos murmurando,
          que andais as toucas lançando
          não mais que por uma touca
          se por Sílvio ides louca,
          porque arnante vos anele,
          e mais por vós se desvele,
          vinde à grade destoucada,
          e verá, que de empenhada
          botais as toucas por ele.

    5    Inundais as escarlatas
          à guisa da bela aurora,
          como se mui novo fora,
          que nágua se banhem patas:
          se as Professas, ou Donatas,
          que as patas vos mergulhararn
          tanto a peça celebraram,
          zombai das suas invejas,
          não se gabem malfazejas,
          que de patas nos viraram.

     

    *****

     

        NO DIA EM QUE O POETA EMPRENDEO GALANTEAR HUA FREYRA
        DO MESMO CONVENTO SE LHE PEGOU O FOGO NA CAMA,
        E INDO APAGAR-LO, QUEYMOU UMA MÃO.
         
         

          Ontem a amar-vos me dispus, e logo
          Senti dentro de mim tão grande chama,
          Que vendo arder-me na amorosa flama,
          Tocou Amor na vossa cela o fogo.

          Dormindo vós com todo o desafogo
          Ao som do repicar saltais da cama,
          E vendo arder uma alma, que vos ama,
          Movida da piedade, e não do rogo

          Fizestes aplicar ao fogo a neve
          De uma mão branca, que livrar-se entende
          Da chama, de quem foi despojo breve.


          Mas ai! que se na neve Amor se acende,
          Como de si esquecida a mão se atreve
          A apagar, o que Amor na neve incende.

           

          *****

          A HUMA FREYRA QUE NAQUELLA CASA SE LHE APRESENTOU
          RICAMENTE VESTIDA, E COM UM REGALO DE MARTAS.

           
           

            De uma rústica pele, que antes dera
            A um bruto monte, fez regalo Armida,
            Por ser na fera a gala conhecida,
            Como na condição já dantes era.

            Menos que Armida já se considera
            Ser a fera, pois perde a doce vida
            Por Armida cruel: e esta homicida
            Por vestir a fereza, despe a fera.

            Se era negra, e feroz por natureza,
            Com tal mão animada a pele goza
            De um cordeirinho a mansidão, e a alvura.

            Oh que tal é de Armida a mão formosa!
            Que faz perder às feras a fereza,
            E trocar-se a fealdade em formosura.

             

            *****

          A OUTRA FREYRA, QUE SATYRIZANDO A DELGADA
          FIZIONOMIA DO POETA LHE CHAMOU PICAFLOR.

           
           

            Se Pica-flor me chamais,
            Pica-flor aceito ser,
            mas resta agora saber,
            se no nome, que me dais,
            meteis a flor, que guardais
            no passarinho melhor!
            se me dais este favor,
            sendo só de mim o Pica,
            e o mais vosso, claro fica,
            que fico então Pica-flor.

            *****

             

            QUEYXA SE O POETA A MESMA FREYRA DE SUAS INGRATIDÕES DESPRIMOROSAS, IMITANDO A D. THOMAZ DE NORONHA EM HUM SONETO,

              QUE FEZ A CERTA FREYRA, QUE PRINCIPIA "SOROR
              DONA BARBARA".
             

             

                Senhora Mariana, em que vos pes,
                Haveis de me pagar por esta cruz,
                Porque nisto de cornos nunca os pus,
                E sei, que me pusestes mais de três.

             

              Não sei, quem vos tentou, ou quem vos fez
              Cruel, que rigor tanto em vós produz,
              Pois convosco não val, e em mim não luz
              Fé de Tudesco, e amor de Português.

             

              Se contra vós algum delito fiz,
              Que do vosso favor fora me traz,
              Vós não podeis ser Parte, e mais Juiz.

             

              Não queirais dar contudo a trasbarrás,
              Nem vos façais de mim xarrisbarris,
              Que me armeis por diante, e por detrás.

              ****

               

              A OUTRA FREYRA QUE ESTRANHOU AO POETA SATYRIZAR AO PE. DAMASO
              DA SYLVA, DIZENDOLHE QUE ERA HUM CLERIGO TAM BENEMERITO, QUE JA
              ELLA TINHA EMPRENHADO, E PARIDO DELLE.

               
               

                Confessa Sor Madama de Jesus,
                Que tal ficou de um tal Xesmeninês,
                Que indo-se os meses, e chegando o mês,
                Parira enfim de um Cônego Abestruz.

                Diz, que um Xisgaravis deitara à luz
                Morgado de um Presbítero montês,
                Cara frisona, garras de Irlandês
                Com boca de cagueiro de alcatruz.

                Dou, que nascesse o tal Xisgaravis,
                Que o parisse uma Freira: vade in paz,
                Mas que o gerasse o Senhor Padre! arroz
                Verdade pois o coração me diz,
                Que o Filho foi sem dúvida algum trás,
                Para as barbas do Pai, onde se pôs.

               *****

              A CERTA FREYRA QUE EM DIA DE TODOS OS SANTOS MANDOU A SEU
              AMANTE GRACIOSAMENTE POR PAM POR DEOS HUM CARÁ.

               
               

                1    No dia. em que a Igreja dá
                      pão por Deus à cristandade,
                      tenho por má caridade
                      dares vós, Freira, um cará:
                      se foi remoque, oxalá,
                      que vos dêem a mesma esmola,
                      que não há mulher tão tola,
                      que por mais honesta, e grave,
                      não queira levar o cabe,
                      se pôs descoberta a bola.

               

                2    Descobristes a intenção,
                      e o desejo revelastes,
                      quando o cará encaixastes,
                      a quem vos pedia o pão:
                      como quem diz: meu Irmão,
                      se quem toma, se obrigou
                      a pagar, o que tomou,
                      vós obrigado a pagar-me,
                      ficais ensinado a dar-me
                      o cará, que vos eu dou.

               
               

                 3    Levado desta seqüela
                       promete o mancebo já
                       de dar-vos o seu cará,
                       porque fique ela por ela:
                       se consiste a vossa estrela
                       em dar, o que heis de tomar,
                       cará não há de faltar,
                       porque o Moço não repara
                       em levar a cópia, para
                       o original vos tornar.

               

                 4    Se assim for, que assim será,
                       fareis um negócio raro,
                       porque um cará não é caro
                       se por um outro se dá:
                       e pois o quer pagar já
                       sem detença, e com cuidado,
                       se o quereis ver bem pagado,
                       há de ser com tal partido,
                       que por um cará cozido
                       leveis o meu, que anda assado.

               

                 5    Vós pois me haveis de dizer
                       (assentado este negócio)
                       se quereis fazer socrócio,
                       porque comigo há de ser:
                       de carás heis de cozer
                       uma boa caldeirada,
                       e de toda esta tachada
                       tal conserva heis de tomar,
                       que vos venhais a pagar
                       do cará co caralhada.

                *****