PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 BIOGRAFIAS - Paulo Gonçalves

Paulo Gonçalves nasceu em Santos, em 2 de abril de 1897 e faleceu também nesta cidade a 8/4/1927. Ingressando no jornalismo, logo se destacou pelas suas excepcionais qualidades de inteligência e de coração. Sua bondade marchava passo a passo com a sua brilhante inteligência.

Poeta dos mais inspirados, Paulo Gonçalves, não obstante sua curta existência, salientou-se como teatrólogo, sendo suas produções teatrais tão expressivas como a sua poesia.

Estreou em 1922 com o livro de versos Yara, poemas de grande emotividade artística e apuro de forma. Sua peça em versos 1830 obteve o laurel da Academia Brasileira de Letras, em 1925.

Falecendo apenas com 30 anos de idade, sua obra literária impõe-se como uma das mais expressivas. Deixou ainda: Lírica de Frei Angélico (poesia), Comédia do Coração (teatro), representada com grande sucesso por conjuntos teatrais do país, As mulheres não querem almas, O cofre (teatro). Militou na Imprensa com grande brilhantismo e foi, sem dúvida, um dos mais ilustres filhos da cidade de Braz Cubas.

Paulo Gonçalves (Francisco de Paula Gonçalves) - Nascido em Santos, a 2 de abril de 1897, filho de Manoel Alexandre Gonçalves e de d. Bemvinda Fogaça Gonçalves.

Iniciou seus estudos na Escola União Operária, com o professor Alcides Luís Alves. Trabalhou algum tempo no Telégrafo Inglês, continuando seus estudos particularmente. Cedo abandonou o Telégrafo Inglês, para dedicar-se ao jornalismo, ingressando no Diário de Santos, órgão da oposição, passando-se depois para A Tribuna, como revisor. Mais tarde, entrou para o Commércio de Santos, de onde saiu, a chamado, para o Jornal do Commércio, de São Paulo, também como revisor.

No início da Folha da Noite, Paulo Gonçalves passou a lhe emprestar seu concurso, ao lado de velhos camaradas de Santos. À fundação da Folha da Manhã está ligado o nome de Paulo Gonçalves, que por muto tempo foi seu redator secretário, cargo que abandonou, chamado pelo Estado de São Paulo, para a sua seção de teatro, em cujo posto a morte o colheu.

Paulo Gonçalves foi um dos fundadores do Partido da Mocidade, fruto de seu idealismo puríssimo.

Foi professor do Colégio Pedro Borba, em Santos, onde parece haver nascido o grande motivo das suas aspirações, um profundo e recôndito sentimento que jamais revelava a alguém, apenas traduzido pela tristeza dos seus olhos e o macio de sua voz, estranhamente velada, sentimento esse que parece haver precipitado o seu estado mórbido, a inexorável moléstia que abreviou e extinguiu sua preciosa vida. Pouco mais viveu que Fábio Montenegro, mas ainda assim pôde produzir muito mais do que o seu ilustre colega e conterrâneo, tornando-se, na apreciação dos doutos e entendidos, um dos maiores líricos brasileiros.

Seu livro de estréia foi Yara, em 1922, que lhe valeu o aplauso entusiástico da crítica nacional, e daí por diante publicou mais cinco obras: 1830, notabilizada comédia em versos, em 3 atos, Prêmio de teatro da Academia Brasileira de Letras, 1925; O cofre, comédia em 1 ato, versos; As noivas, comédia em 3 atos, prosa; As mulheres não querem alma, comédia em 3 atos, em prosa; A comédia do coração, comédia em 3 atos, em prosa; deixando mais, em manuscrito, inéditos: Núpcias de D. Juan, alta comédia, em verso, em 4 atos; Quando as fogueiras se apagam, 1 ato, em versos, escrita a pedido de Coelho Netto; Lyrica de Frei Angélico, versos; Marcha Heróica (inacabada) e Marília de Dirceu, versos.

 

Os Mendigos

Mendigos! Minha esmola é um beijo em vossa palma!
Penso em vosso pudor, no tumulto das gentes,
e sinto, como vós, lágrimas iminentes,
castelos de ilusões, desmoronando n'alma!

Ungindo-vos, porém, de esperança e de calma,
contra o orgulho dos maus e dos indiferentes,
um anjo solitário, aos olhos dos videntes,
as asas sobre vós radiosamente espalma.

Pobres! A todos vós, que famintos e imundos,
errais de porta em porta, em sinistro cortejo,
- mudos, cegos, senis, lázaros, vagabundos,

Todos vós, que viveis na poeira das calçadas,
amo-vos! Acolhei o meu piedoso beijo
pelas consolações que vos foram negadas!

Visão do futuro

Falar do coração! Mas ainda não se disse

Que à nossa espera à porta da velhice

Há uma figura estranha e dolorosa

Que um crepúsculo roxo apoteosa

De túnica lilás e tranças pretas

Numa coroa de violetas.

 

O viajor não transpõe a passagem medonha

Antes que aos pés dessa mulher deponha

Uma recordação qualquer da mocidade:

É ela, a deusa romântica, a Saudade!

 

Quem foi feliz mesmo por um minuto

Deve à deusa esse lírico tributo.

 

Há certos corações que ao passar pela porta

Deixam como oferenda uma ventura morta.

Os pobres de ventura oferecem, apenas,

Um sonho que floriu no intervalo das penas.

 

Dizem os corações amantes: "Eu só pude

Colher um beijo em minha juventude".

"E eu, tantos corações me inspiraram afeto,

Que eu nem vos sei dizer qual foi o predileto".

 

"E eu, só vos posso dar, como oferta sagrada,

Este nome de alguém que amei sem dizer nada".

"E eu, a lembrança de um idílio à luz da lua"...

"E eu, duas vidas, porque alguém me deu a sua".

 

Se chegar minha vez, o que pouco suponho,

Ao encontrar na porta um coração tristonho,

Tímido, a recordar seus amores falazes,

A Saudade talvez pergunte: "E tu que trazes,

Para recordação de teus últimos dias?"

 

E eu, só lhe mostrarei, chorando,

As mãos vazias!

AS FREIRAS

 

Em frente do oratório

na penumbra e na paz da sacristia

as freiras rezam, ao final do dia

pelas almas do inferno e purgatório

 

Coroando a tarde fria

espeira em névoa o poente merencóreo.

E ao céu triste se eleva o responsório

levado pelo adeus da Ave-Maria

 

O crepúsculo místico parece

um arco de ouro e rosa

que Deus armou no espaço, ouvindo a prece

 

Porta de luz, na tarde religiosa,

por onde um anjo desce

para atender a invocação piedosa.

 

Os Velhos

 

Nessa noite de chuva, invernosa e tranqüila

na capela , ao clarão dos castiçais de prata

vão espancar o tédio à existência pacata

o vigário, o juiz e o médico da vila

 

Começam a tocar a velha serenata

de Schubert. Através das vidraças em fila

espiam os aldeões , curiosos por ouví-la...

E a música sentida, em choros desata

 

Violoncelo e violino arrancam tais soluços,

de tal maneira os dois se humanizam gemendo

que, lá fora, os aldeões esquecem que chove

 

Nisto o vigário cai sobre o orgão de bruços:

Mas, que lhe aconteceu? - "Que é isso reverendo?"

- "Toquemos outra coisa ...Esta peça comove..."