PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 
Noções de Versificação Portuguesa


Carlos Martins

2003

Índice

Introdução 07

I – NOÇÕES PRELIMINARES 10

1 – Poesia, Poema e Prosa 10

2 – O Metro ou Verso e Metrificação 10


II – TRABALHANDO O VERSO. 11

1 – As Sílabas Métricas e as Gramaticais 11

2 – A Contagem das Sílabas Métricas 12

Regra 1 – Da Absorção das Vogais. 12

Regra 2 – Da Dificuldade da Absorção das Vogais 14

Pronúncia das Vogais 14

Regra 3 – Da Freqüência de Absorção das Vogais 15

Da Liberdade da Prática da Elisão e Noções de Adição de Vogais 15

Mais Sobre Metaplasmos 16

3 – Pausas e Denominação das Palavras e Versos 17

4 – Cesura 18

5 – Padrões de Contagem de Metros 21

6 – Espécies de Metros 23

As Várias Correntes Existentes. 23

Os Metros em Língua Portuguesa 26

Versos Elementares 26

Verso de Uma Sílaba ou Monossílabos 26

Verso de Duas Sílabas ou Dissílabo 26

Verso de Três Sílabas ou Trissílabo 27

Verso de Quatro Sílabas ou Tetrassílabo 27

Versos Simples 28

Verso de Cinco Sílabas ou Pentassílabo 28

Verso de Seis Sílabas ou Hexassílabo 29

Verso de Sete Sílabas ou Heptassílabo 30

Verso de Oito Sílabas ou Octossílabo 31

Verso de Nove Sílabas ou Eneassílabo 32

Verso de Dez Sílabas ou Decassílabo 33

Verso de Onze Sílabas ou Endecassílabo 34

Verso de Doze Sílabas ou Dodecassílabo 34


Versos Compostos 35

Compostos Regulares 35

Bitetrassílabo 35

Bipentassílabo 36

Biexassílabo ou Alexandrino 36

Comentários sobre os Alexandrinos 38
Compostos Irregulares 38


III – A HARMONIA DO VERSO 40


1 – Vícios contra a Pureza Musical do Verso 40

Versos Duros 40

Versos Soltos 40

Versos Sibilantes 41

Versos Cacofônicos 42

Versos Monófonos ou Homofônicos 42

Cavalgamento 42

2 – Versos Soltos e Rimados 44

Versos Soltos 45

Versos Rimados 45

Rimas Toantes 46

Rimas Consoantes 47

Qualidade da Rima 47

Disposição das Rimas 48

3 – Versos Livres 49


IV – ESTROFE E SISTEMAS ESTRÓFICOS 51


1 – Tipos de Estrofe 51

Dístico 51

Terceto 52

Quadra 52

Quintilha 53

Sextilha 54

Septilha 54

Oitava 54

Novena 55

Décima 55

2 – Gêneros Poéticos 55

Gênero Épico 56

Gênero Lírico 56

Gênero Satírico 57

Gênero Didático 57

3 – Sistema com Número e Forma de Estrofes Fixo 57

Décima Clássica 57

Sextina 57

Rondó 59

Soneto 59

4 – Sistemas com Formas Estróficas Fixas e Número Variável 65

Trioleto 66

Terza Rima 66
5 – Sistema com Número Fixo de Estrofes e Forma Variável 67

Balada francesa 67

6 – Sistemas com Forma e Número de Estrofes Variáveis 69

Glosa 69

Vilancete 69

7 – Sistemas Estróficos Definidos por um Tema 70

Hinos, Cânticos e Salmos 70

Ode 70

Madrigal 71

Elegia 71

Nênia, Epitáfio e Epicédio 71

Idílio, Égloga e Pastoral 72

Epitalâmio 72

Ditirambo 72

Acróstico 73

Sátira 74

Epigrama 74

Máxima 74

Apólogo 75

Fábula 75


V – CONSIDERAÇÕES FINAIS 76

1 – Um Pouco Sobre Estilo 76

Correção 76

Concisão 76

Clareza 76

Harmonia 76

Originalidade 76

Vigor 77

2 – Noções de Imagem 77

VI – BIBLIOGRAFIA E NOTAS 79

Introdução.


A idéia deste pequeno trabalho surgiu após a criação de meu site na Internet onde divulgo os poemas que escrevinho. A partir dele, com a prática rotineira de alimentá-lo e com a descoberta de outros que, como eu, divulgavam os seus trabalhos em Fóruns de Poesia pela Net, passei a observar um dado interessante.

A Poesia, atualmente, não quer se apresentar com as roupas alinhadas que nos fez, justamente admirá-la a princípio: a regularidade de seus versos e a musicalidade de suas rimas. Os poetas utilizam muito pouco dessas ferramentas tão extensivamente utilizadas no passado...

Não tenho a mínima condição – nem pretendo - de analisar por que as técnicas de criação poética foram um tanto abandonadas pelos poetas, arrisco apenas como palpite, que metrificação, esquemas rimados e padrões de gênero poético, soam como elementos velhos, ultrapassados; sendo, nesse sentido, a sua utilização um retorno ao passado – enfim, não seria moderno!

Outro fator poderia ser o dispêndio de energia necessário para trabalhar o verso visando compartimentá-lo a um esquema sem prejudicar o seu conteúdo.

Esse segundo motivo não é novo. Miguel do Couto Guerreiro em seu Tratado da Versificação Portugueza, já dizia em 1.784:

“Observando eu, que muitos sujeitos engenhosos fazião versos errados, julguei, que se naõ deliberavaõ a aprender os preceitos do Metro, temerosos da tal, ou qual extensaõ, que viaõ nos volumes, que trataõ da matéria...” (12 – p. V)

A partir desse crescente interesse de minha parte sobre o tema, resolvi pesquisar e disponibilizar um pequeno material nele.

Logo de início percebi que o Modernismo desacelerou uma prática que já teve seu apogeu; em que havia um pleno domínio das técnicas de versejar:

“Poeta, ainda meão ou menos que isso, raro se encontra agora entre nós que erre na medida dos versos”. Alberto de Oliveira (1)


Sim, no passado muitos conheciam das técnicas. Mas, uma voz dissonante nos ajuda a entender um pouco o porquê do abandono em que elas caíram:

“A sistematização de Castilho (melhor explicada posteriormente, nota do autor), se por um lado prestou grandes serviços no sentido de policiar a técnica poética, por outro lado teve como conseqüência o empobrecimento da expressão”. Manuel Bandeira (2)

Todo excesso leva a uma reação em igual proporção. Alberto de Oliveira escreve, enaltecendo, ainda sobre os ecos da valorização da forma parnasiana; Bandeira, logo após ter conseguido abrir as portas da prisão da poesia (3).

Enquanto compilava o material, ocorreram-me alguns princípios norteadores.

Primeiro:

“Idéia poética é aquela que posta em prosa, exige ainda verso”. Paul Valery (4)

Apesar de existir Poesia na prosa, não existe prosa em um poema; ou seja, o poema tem sua maneira de fluir, que não é tão solta quanto a prosa e que se conhecesse mais as diferenças entre prosa e Poesia, poderia tentar melhorar meus escritos.

Segundo:

“Esta (a métrica) ensina alguma cousa a mais que metrificar; se não cria poetas, ajuda-lhes a inspiração ou lhes rege os vôos”. Alberto de Oliveira (1)

“É certo que os tratados de metrificação não fazem poetas, mas podem ensinar os poetas a fazer versos”. Amorim de Carvalho (5)


Que o fato de conhecer mais sobre o assunto não me tornaria um poeta! Nem, ao menos, me faria um poeta melhor! Apenas me faria um conhecedor melhor das ferramentas que esse ofício me disponibiliza!

Todo ofício possui ferramentas que em um dado momento podem ser utilizadas ou não. O dentista não usa a broca quando está envolvido com uma extração; o lixeiro não usa a pá, quando está envolvido com a varrição; o alfaiate não usa a tesoura, quando está medindo as espáduas do cliente. Só se usa a ferramenta adequada a cada situação, mas elas existem para serem utilizadas; o que é preciso, pensei, é conhecer todas as ferramentas e usá-las quando se precisar delas!

Como pode um médico operar sem nunca ter exercitado o bisturi? Não basta apenas aa inspiração é preciso saber fazer! Assim entendo a arte de fazer versos, como é o título do manual de Osório Duque Estrada: uma arte que dispõe de ferramentas apropriadas para exercê-la.

E essa arte, a partir do momento em que assimilamos suas ferramentas, flui sem nos darmos conta que elas existam.

Uma vez estava assistindo um documentário sobre a população de uma das regiões mais pobres do Brasil, o Vale do Jequitinhonha, em Mina Gerais. Ali, naquele cenário desolado, pobre e seco, uma senhora octogenária declamou uma quadrinha (infelizmente de tão rápida a cena, não a guardei) em que era agradecida pela vida que tinha. Uma quadrinha em que dois conjuntos de rimas emparelhadas davam uma melodia agradável ao ouvido, terna ao coração. Essa senhora de pele curtida pelo sol e analfabeta, não tinha lido, justificadamente, nenhum manual de versificação, mas, cantava, isso mesmo cantava, uma música que minha alma reconhecia. E como a reconhecia? Pelo ritmo e sonoridade...

A verdade é que hoje nós LEMOS a Poesia; ela é mais feita para ser vista. Esquecemos que a Poesia, desde os primórdios é feita para ser OUVIDA, esquecemos do som na Poesia.

Por conta disso, meti-me nesse lodaçal que ora apresento aos que tiverem um pouco de paciência.

Como não sou formado na matéria, tudo o que for apresentado pode conter erros crassos, que peço àqueles que conhecerem melhor e os virem, ajudem sugerindo as correções devidas.

Por fim, mas não menos importante, meu objetivo não é o de inovar, mas de dividir o que descobri nas minhas pesquisas voltadas à minha necessidade de escrever. Assim, de certa maneira este trabalho nasce pobre, não se caracterizando, propriamente, um trabalho de autor; mas, antes, se trata de um resumo comentado baseado na bibliografia que apresento ao final, de quem são verdadeiramente os proprietários da maior parte das idéias aqui apresentadas.

Outra advertência que se faz necessária é quanto à manutenção da grafia e ortografia das citações e exemplos que foram utilizados, pois não me senti à vontade em atualizá-las por minha própria conta.



Carlos Martins, 2003.

















I – NOÇÕES PRELIMINARES.


1 – Poesia, Poema e Prosa.


O mundo está ai há muito tempo, mas o homem, cada célula que nasce, vive e morre, cedendo lugar a outras que farão o mesmo, pode observar friamente o comportamento das coisas ou responder a elas, através da dor ou do entusiasmo que nele incitam. Isso é Poesia.

Por isso se diz, apropriadamente, que há Poesia no crepúsculo, no estado amoroso ou no sorriso de uma criança. Existe. Desde que haja alguém disposto a colhê-la na natureza.

Para que a Poesia presente nas coisas possa ser traduzida em um Poema é preciso, além de um agente, aquele que se investe no papel de decodificá-la, três fatores (4):

a) A Contemplação - A observação do fato poético nas coisas;
b) A Imaginação - A emoção propulsora do mundo, a inspiração;
c) A Expressão – A linguagem harmoniosa com que se comunica aos outros.

O poema é uma forma literária, assim como a prosa, mas se distinguem pelo seu ritmo:

“... do latim oractio prosa, discurso contínuo, seguido, e respeitando a ordem grammatical directa; verso é derivado de versus, do verbo vertere, tornar ou voltar, porque, uma vez exgottado um certo número de syllabas, a oração interrompe-se, e volta de novo ao ponto de partida...” (6).

Em outras palavras: prosa é um discurso contínuo e o poema um discurso interrompido por paradas forçadas que compõem os versos, sua base estrutural.


2 – O Metro ou Verso e Metrificação


A fração ou unidade do poema é o verso, também chamado de metro; um ajuntamento de palavras – ou mesmo uma – com determinado número de silabas e pausas obrigadas que, ao fim, redundam em música.

O estudo das regras que se referem à medição musical do verso chama-se Metrificação. Nota-se ai, o que já foi dito anteriormente, que Poesia é expressa originalmente através do som, da melodia, da música; o seu caráter gráfico é decorrência. O poema escrito nada mais é que uma partitura da música existente; não o seu princípio.





II – TRABALHANDO O VERSO.


1 – As Sílabas Métricas e as Gramaticais


O primeiro passo, por assim dizer, da tarefa de Metrificação é aquele que tantas dificuldades opõe a quem deseja trabalhar versos com rigor.

Isso se deve, a meu ver, que a tarefa de contagem silábica já era algo que nos enfadava já quando crianças ou adolescentes, ao praticá-la nos bancos escolares.

Com relativa dificuldade – especialmente quanto aos ditongos – aprendemos a fazê-la gramaticalmente e ai, vem a Poesia e nos diz que essa contagem é ligeiramente diferente...

A confusão na contagem reside apenas em um fato: o gramático separa as sílabas em todos os sons em que elas podem rigorosamente se dividir; já o metrificador preocupa-se apenas com os sons mais proeminentes ao ouvido, ou seja: aqueles sons brandos ou que ao falarmos são como que comidos pela fala, não são considerados.

Assim, a quantidade de sílabas para o gramático poderá igualar-se à do metrificador ou ficar muito diferente. A seguir temos um exemplo desses comportamentos, que posteriormente, no item 3, será explicado porque acontece. O primeiro verso será com a forma de separação do gramático; a seguir como o metrificador a faria, ilustrando-se passo-a-passo as junções dos sons e o terceiro, como soaria, ao final, o som ao ouvido. Para efeito de ficar mais clara a contagem da sílaba métrica ou prosódica, utilizarei, no futuro da contagem passo-a-passo (2), não a do som final (3) e em cima dos versos a quantidade de sílabas obtida por cada um:


“A cigarra a cantar passara o estio” - La Fontaine.


(1) O gramático:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
A ci / gar /ra / a / can / tar / pas / sa / ra / o / es / ti / o

(2) O metrificador (ilustrando passo-a-passo a junção dos sons):

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A / ci / gar /raa / can / tar / pas / sa / raoes / ti / o

(3) O metrificador (como ficaria o som final ao ouvido):

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
A / ci / gar / rá / can / tar / pas / sa / res / ti / o



2 – A Contagem das Sílabas Métricas

Para entender os porquês dessa diferenciação no número de contagem das sílabas métricas, poéticas ou simplesmente , pés do verso, Castilho nos apresenta algumas regras básicas:

Regra nº 1 – Da Absorção das Vogais.

“Uma vogal antes de outra vogal absorve-se nela, ficando as duas sílabas uma só sílaba” (7).

Não é a segunda vogal que é absorvida pela primeira; mas, sim a primeira que é absorvida pela segunda. É importante frisar isso, pois no momento de dúvida se deverá ocorrer ou não a junção das vogais, deveremos refazer passo-a-passo o processo e ver se a elisão é aceita pelo ouvido: se estivermos “forçando” a união, gerando um som estranho, tornando incompreensível o significado, a junção não se aplica.

Esse processo, de juntar, de fundir duas ou mais vogais formando um som exclusivo em uma única sílaba (como nos ditongos), chama-se elisão. Elidir é suprimir.

Quando se elide dentro de uma mesma palavra, duas ou mais vogais, tal fenômeno lingüístico chama-se sinérese; se a contração acontece entre duas ou mais sílabas de uma palavra para outra, chama-se sinalefa.

a) Sinérese: Quando a pronúncia normal de duas ou mais vogais de uma palavra é um hiato e a fundimos em um só som, estamos utilizando uma licença poética chamada sinérese.
1 2 3 4 5
Assim, em ansiedade, o gramático contará an / si / e / da / de; já o
1 2 3 4
metrificador an / sie / da / de . Isso ocorre, pois as vogais são brandas, não têm sons fortes que impedem a sua contração.

Exemplos:

Sobre a estante do piano reluzente (Gonçalves Crespo)
Como o leão da Bíblia, morto no vergel (Guerra Junqueiro).
Aquele ruído obscuro da gagueira (Augusto dos Anjos)


b) Sinalefa: pode-se apresentar elisão de duas, no máximo 3 sílabas gramaticais em uma métrica, na passagem de uma palavra para outra. A união de 4 em uma já soaria estranho ao ouvido:

- Duas sílabas em um som:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Só Ma / da / le / na ao ou / ro da ma / dei / xa Gramático

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
So Ma / da / le / naao ou / ro da ma / dei /xa Metrificador

- Três sílabas em um som:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Je / sus ex / pi / ra o hu / mil / de e gran / de o / brei / ro Gramático

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Je / sus ex / pi / raohu / mil / dee / gran / deo / brei /ro Metrificador


1 2 3 4 5 6
Como foi dito, deve-se evitar 4 vogais em 1 como em gló / ri / a e a / mo r, que poderia se
1 2 3
tornar gló /riaea/mor, o que é desaconselhável, “um barbarismo, ainda que não um erro”, segundo Castilho, pois o seu som seria “gloramor”.

Seguem outros exemplos:

Soltam-se os pés aumenta o pranto e a queixa
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Sol / tam seos pés au / men / tao pran / toea quei /xa


Busca ver se ele a vê beijando-o ainda
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Bus / ca ver see / lea vê bei / jan / doo ain / da


Esta é a ditosa pátria minha amada
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Es / taéa di / to /sa pá / tria mi / nhaa ma /da


Exceções à regra nº 1:

Se a vogal anterior é fortemente acentuada ou é parte de um ditongo, não se absorve na seguinte, pois provoca uma assonância:

Fortemente Acentuada - Só eu não podemos fazer seu (sóeu);
Parte de um Ditongo - Viu uma não se pode fazer vuma (viuma);
Fortemente Acentuada - Vá eu é incorreto fazer véu (váeu);
Fortemente Acentuada - Só uma não se pode obter suma (sóuma).

O metrificador pode até ir contra essa regra, mas em prejuízo do verso. Couto Guerreiro afirma que “A razão de se naõ fazer Synalepha nesse caso he; porque fazendo-se fica o Verso duro, como se vê nestes dois Versos de Camões:

Mas já as proas ligeiras se inclinavaõ.
Queimou o sagrado templo de Diana.” (12 – p.14)

Camões, para manter a o esquema do decassílabo heróico acentuado na 6ª e 10ª sílabas, fez sinalefa em “já as” e “queimou o”. A primeira em um caso de fortemente acentuada e a segunda, após um ditongo. Se lermos os versos em voz alta, repararemos na dureza dos mesmos; os sons de junção se apresentam forçados.

Impedimento semelhante se aplica à sinérese quando esta é aplicada a palavras cuja pronúncia se divide e o metrificador as une em uma só sílaba métrica: ex.: diá-lo-go por di-á- lo-go.

Importante: a sinérese e a sinalefa são fenômenos lingüísticos não exclusivos desta regra, elas estão presentes, também, nas duas subseqüentes. Preferi acomodá-las na regra nº 1, denominando assim esta regra, diferentemente de Castilho e Bilac/Passos, para facilitar sua exposição logo de início e não na regra nº 3 como eles fizeram.


Regra nº 2 – Da Dificuldade da Absorção das Vogais.

“Uma vogal será tanto mais fácil de se absorver na seguinte, quanto mais fraca for sua natureza, menos acentuada e menos pausada. As mais abertas, mais acentuadas e mais pausadas só se elidem violentamente. Essa violência será sempre um defeito e às vezes um erro imperdoável” (6) e (7).

Para compreender melhor esta regra é preciso falar um pouco sobre a pronúncia das vogais.


Pronúncia das Vogais.

A pronúncia das vogais segue uma escala que vai de aberta a fechada, variando em grau, dependendo da vogal:

Vogal a – duas distintas. Em cara é aberta em ca e fechada em ra;

Vogal e – quatro distintas. Abertíssima em fé; aberta em mercê; surda na última de piedade e como i quando utilizado como conjunção em Pedro e Antônio, que se lê Pedro i Antônio;

Vogal o – três distintas. Abertíssima em pó; aberta como na primeira de Diogo e surda, como u na última do mesmo nome Diogo;

Vogal u – uma apenas, é a vogal menos substanciosa, podendo mesmo, ser omitida, como em quente que se lê qente.

Vogal i – Castilho e Bilac/Passos não destacam essa vogal. Creio haver pelo menos duas pronúncias distintas (cf. país e pai).


Pois bem, tendo compreendido sobre os sons vocálicos das vogais, podemos voltar à regra número 2.

Quanto mais fraca a vogal anterior, mais fácil será sua absorção pela seguinte, podendo mesmo desaparecer seu som como o e em bondade infinita, que lemos bondadinfinita, ou não desaparecendo, mas juntando-se em uma sílaba apenas, como o o e o a em canto amargo, que se lê cantoamargo.


Regra nº 3 – Da Freqüência de Absorção das Vogais.

Nesta regra temos que as vogais podem se elidir dentro do verso, quantas vezes ocorrerem os encontros desde que a vogal anterior, a que será absorvida, não seja longa e que – como vimos – essa contração não seja superior a 3 vogais por sílaba:

Se a segunda casasse eu mesmo iria à Igreja
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Sea se / gun / da ca / sas / seeu mes / moi / ri / aài / gre / já

Temos quatro elisões de duas e três vogais em uma sílaba poética.


Da Liberdade da Prática da Elisão e Noções de Adição de Vogais.

Castilho apenas esboçou o grau de liberdade que o poeta tem de elidir ou não as vogais (a licença poética para tal) “o metrificador em alguns casos tem obrigação de elidir as vogais; em outros a faculdade de elidir, ou não; em outros a impossibilidade de elidir...” (7), e cita, na ordem muit’amor; sau/ da / de e sa / u / da /de e má alma. Já Chociay explica com mais detalhes, introduzindo para sua compreensão, as oposições aos metaplasmos sinérese e sinalefa: a diérese e a dialefa.

Diz ele que o poeta pode suprimir (elisão) ou adicionar (adição) sílabas no verso, em função da pronúncia possível de um vocábulo em seu tempo e lugar e do uso que fez dele os antigos versificadores, segundo a necessidade do esquema métrico (veja capítulo adiante), sua funcionalidade.

Assim, o metrificador desloca o acento da palavra suprimindo ou adicionando a vogal para manter o esquema métrico de todo o poema.

Exemplos de Sinérese e Diérese(3):

Eleva-me, que amar-te é voar contigo (Sinérese).
Mas o martírio fez vo / ar minh’alma (Diérese)

Banhadas no esplendor que sai do piano (Sinérese)
Não; não recebas do pi / a / no os bafos (Diérese).

Cadáver santo e glorioso (Sinérese)
Aos combates, às lutas glori / o / sas (Diérese).

Ou num mesmo verso, como em Camões:

Que pode dar saudade à sa / u / dade

Para poder manter o esquema métrico do decassílabo (acentuação na 6ª e 10ª sílabas):

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Que po / de dar sau / da / de à sa / u / da de
(sobre o desprezar a última sílaba falaremos adiante)


Exemplos de dialefa:

Lembrando que eles foram retirados de poemas que o esquema métrico justiçava. Nestes casos, seria natural a utilização da sinalefa, mas o poeta (Tobias Barreto), optou por utilizar-se da dialefa, separando:

E atrás... o / anjo pálido da morte (decassílabo)

E pensas que o / ódio finda? (heptassílabo)


Mais Sobre Metaplasmos


O que de mais usual para a contagem das sílabas métricas foi exposto neste capítulo, até aqui. Incluo este item para registrar a existência destes recursos de licença poética, para a compreensão da produção poética dos antigos, uma vez que praticamente desapareceu o seu uso. Mesmo antigamente estes recursos eram encarados como “muletas” de que se valiam metrificadores menos preparados, como alerta Castilho “No usar de qualquer das figuras... deve haver suma cautela, pois que o nome da figura nestes casos é mascara lustrosa, com que se pretende encobrir um defeito muito real” (7), ou Bilac/Passos “...todas as figuras que autorizam viciar palavras, autorizam defeitos...” (6) e também Estrada “No emprego de qualquer figura que autorize alterações de palavra, é preciso haver o máximo escrúpulo para não cair ... em vícios e corruptelas deformadoras de nosso idioma” (1).

Enfim, temos que os metaplasmos ( ou também chamados de figuras de prosódia ou de dicção, figuras de morfologia, de licenças ou liberdades poéticas (3)) são alterações feitas no interior dos vocábulos, modificando a sua apresentação ou prosódia, sem alterar a sua significação.

Dentre eles, além dos já mencionados sinérese, sinalefa, diérese e dialefa, temos:

ADIÇÃO:

Prótese – Quando se aumentam letras no início da palavra: descantar – cantar; alevantar-levantar;.

Epêntese – Reforço no meio: florzinha – florinha; pagano – pagão; mavorte – marte.

Paragoge - Ao fim do vocábulo: mártire – mártir; felice – feliz; fugace – fugaz.

SUBTRAÇÃO:

Aférese – Retira do início: té – até; inda – ainda; lampejar – relampejar.

Síncope – Do meio: mór – maior; espr`ança – esperança; perla – pérola.

Apócope - corta do fim da palavra: marmor – mármore; calix – cálices; arvor – árvore.


Com o que foi exposto já sabemos a diferença entre a contagem de sílabas gramaticais e poéticas. O metrificador reúne, então, os versos em diferentes espécies de metros, para garantir uma sonoridade ou ritmo agradável ao ouvido. Mas para entendê-los vamos revisar, antes, um princípio importante: o das pausas.


3 – Pausas e Denominação das Palavras e Versos.


As pausas ou acentos predominantes de uma palavra são aquelas sílabas em que nos detemos mais; que demoramos mais para falar. Não necessariamente acontece na sílaba com acento gráfico, mas, caso o tenha, incide nela:

Exemplo: em a / mo, na última sílaba da direita para a esquerda; a / ma / do, na segunda e a / ma / dor, na primeira. Em a / gua / pé, na primeira, já em lá / pis, na segunda e cá / li / ce, na terceira sílaba.

Algumas palavras aparentam ter dois assentos, mas não os tem. As palavras com advérbios ente podem induzir a isso; mas, na verdade, são a união por composição de duas palavras distintas, prevalecendo o acento da segunda:

Exemplo: Satanicamente é a união de satânica + (m)ente. Embora sejamos induzidos a “ouvir” duas pausas sa / ta / ni / ca / men / te, absolutamente não o há, existindo apenas sa / ta / ni / ca / men / te.

As sílabas das palavras com pausas ou acentos, mais longas, são chamadas tônicas; todas as outras mais fracas ou breves, chamam-se átonas.

De acordo com a posição dessas pausas na palavra elas são chamadas oxítonas (quando incide na primeira sílaba da direita para a esquerda), paroxítonas (na segunda) e proparoxítonas (na terceira sílaba); ou, na mesma ordem agudas, graves e esdrúxulas.

Assim, um verso ou metro será chamado de agudo, grave ou esdrúxulo, se terminar com um termo dessa natureza:

Exemplos:

Temeu tanto perdê-la quem a dá Agudo
Deu sinal a trombeta castelhana Grave
Se nos mostra no ar robusta e válida Esdrúxulo (5)

O quadro abaixo poderá sintetizar esse mosaico:


Palavra Pausa/
Acento na Sílaba... Longas/
Tônicas na Sílaba... Breves/
Átonas na Sílaba... Designação
1 Designação 2 Padrão do Verso
Dá 1ª 1ª - x - Oxítona Aguda Agudo
Castelhana 2ª 2ª 1ª e 3ª Paroxítona Grave Grave
Válida 3ª 3ª 1ª e 2ª Proparoxítona Esdrúxula Esdrúxulo



4 – Cesura.
A cesura é uma pausa acentuada que corta um verso composto dividindo-o em dois.

É uma pausa distinta dos acentos internos citados anteriormente, ou seja, num verso não existirão tantas cesuras quanto forem os acentos existentes em seu interior; apenas um entre eles receberá essa pausa mais acentuada, que dividirá ritmicamente o verso em dois – a tônica das tônicas como disse Estrada.

Os dois versos resultantes serão chamados de hemistíquios, primeiro e segundo.

Quanto maior o verso composto, mais necessária será a pausa, para a respiração e percepção rítmica do conjunto; quanto menor, menos necessária. No alexandrino, p. ex., ela recai na 6ª sílaba e é a base para a sua diferenciação do verso dodecassílabo.

Existem dois tipos de cesura: as cesuras átonas, pois incidem na(s) sílaba(s) átonas posteriores à tônica mais acentuada e as cesuras tônicas, quando recai na própria tônica, de maneira natural ou induzida por elisão, como veremos a seguir. Importante salientar que mesmo falando na existência de cesura átona, esta é dependente da tônica das tônicas citada; não podendo ser desprezada a partícula grave ou as esdrúxulas posteriores à tônica da palavra.

Os exemplos utilizados, que a nosso ver permitem uma clara compreensão da cesura, foram extraídos de Amorim de Carvalho (11 – pp.26/2Cool.

Para melhor compreensão utilizaremos uma notação numérica que indica se cada hemistíquio finaliza em palavra átona ou tônica, assim, por exemplo, num composto de dois versos hexassílabos (ou alexandrinos):

6(1) + 6 Primeiro hemistíquio com cesura átona grave
6(2) + 6 Primeiro hemistíquio com cesura átona esdrúxula
6 + 6 Primeiro hemistíquio com cesura tônica

Além disso, a barra ( / ) mostrará exatamente onde o verso é dividido em dois (onde termina a cesura); o sublinhado ( _ ) onde existe elisão por sinalefa e a partícula de palavra em itálico sublinhado onde ocorrer a cesura átona.

Cesura Átona

Podem se apresentar como graves ou esdrúxulas, conforme for a quantidade de sílabas posteriores à tônica da palavra em que ela incida. A cesura incidirá na parte átona posterior à tônica, pois se entende haver um complemento paragógico, uma continuação do som da tônica:


Exemplo 1:


6(1) 6
___________________ _______________
| | | |
Que faz florir as vinhas / e faz nascer o trigo (Guerra Junqueiro)


Neste composto temos um verso composto biexassílabo, dividido em dois hemistíquios de 6 sílabas com sílaba tônica em “vi” e cesura átona grave em “nhas”, sendo o primeiro hemistíquio terminando “vinhas”em cesura átona grave indicada por 6 (1).

Exemplo 2:


6(2) 6
___________________ ________________
| | | |
Que faz florir as árvores / e faz nascer o trigo


Aqui, o mesmo composto, divide-se em dois hemistíquios de 6 sílabas com sílaba tônica em “ár” e cesura átona esdrúxula em “vores”, sendo que o primeiro hemistíquio termina em “’arvores” com cesura átona esdrúxula indicada por 6 (2).


Exemplo 3:


6(1) 6
___________________ _______________
| | | |
Que faz florir a árvo / re__e faz nascer o trigo


Apesar da palavra árvore ser esdrúxula, temos uma cesura átona grave, pois a primeira sílaba “re”elide-se por sinalefa na seguinte “e”. Assim, o composto se divide em dois hemistíquios de 6 sílabas com sílaba tônica em “ár” e cesura átona grave em “vo”, sendo que o primeiro hemistíquio termina em “árvore” com cesura átona grave indicada por 6 (1).

A utilização da elisão “re_a” faz com que a o som resultante tenda a juntar-se ao de “árvo” garantindo a integridade do primeiro hemistíquio.


Cesura Tônica

Existem dois tipos, o que chamaremos de natural, por incidir em uma palavra aguda e o induzido, quando recai sobre palavra grave ou esdrúxula e o poeta se utiliza de sinalefa, elidindo a última sílaba átona da palavra anterior com a primeira do hemistíquio seguinte. Apenas para garantir a clareza da exposição, essa notação é nossa, não estando presente nos compêndios sobre o tema.

Exemplo 4:


Natural:

6 6
__________________ ________________
| | | |
Sobre uma folha hostil / duma figueira brava (Guerra Junqueiro)


Neste composto os dois hemistíquios de 6 sílabas existentes dividem-se pela incidência de cesura tônica na palavra aguda “hostil” exatamente na sílaba tônica “til, sendo que o primeiro hemistíquio tônico indicado por 6. Chamamos de natural, pois a cesura está no meio de um verso longo e recai em palavra aguda.


Exemplo 5:

Induzida:


6 6
____________________ ___________________
| | | |
Que faz florir a vi / nha_ e faz nascer o trigo


Agora, induzido pela utilização da sinalefa, temos um verso composto por dois hemistíquios de 6 sílabas com sílaba e cesura tônica em “vi”, sendo o primeiro hemistíquio terminando “vinha” formado pela elisão obtida por “nha_e” e a cesura tônica indicada por 6.

Novamente, a elisão “nhá_e” faz com que esse som tenda a ficar próximo do “vi” e assim garantir a integridade do primeiro hemistíquio.


A compreensão desses conceitos será particularmente útil para o entendimento dos versos compostos, expostos em breve.

5 – Padrões de Contagem de Metros.

Existem dois padrões de contagem de metros:

a) Agudo ou Francês: em que se conta até a última sílaba tônica, desprezando-se a breve seguinte (se for grave) ou a duas breves (se for esdrúxula). Tal padrão se baseia no fato da maior parte das palavras francesas serem agudas.

Exemplo:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Te / meu tan / to per / dê- / la quem a dá Terminação aguda

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Deu si / nal a trom / be / ta cas / te / lha / na (-1) Terminação grave

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Se nos mos / tra no ar ro / bus / ta e vá / li / da (-2) Terminação esdrúxula

Nesta contagem devemos considerar até a última tônica; assim, no primeiro verso paramos em dá; no segundo em lha, desprezando na e no terceiro em vá, não contando lida.

Neste padrão estes seriam versos de 10 sílabas métricas ou decassílabos.


b) Grave ou Espanhol: neste padrão o metrificador adiciona uma sílaba além da última forte do vocábulo; “conta sempre uma sílaba a mais se o final do verso for agudo e despreza uma sílaba se for esdrúxulo”. Por serem graves a maioria das palavras espanholas, adotou-se este padrão métrico.

Assim na mesma estrofe anterior, teríamos:

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Te / meu tan / to per / dê- / la quem a dá (+1) Terminação aguda

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
Deu si / nal a trom / be / ta cas / te / lha / na Terminação grave

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Se nos mos / tra no ar ro / bus / ta e vá / li / da (-1) Terminação esdrúxula


Aqui, soma-se uma sílaba além da forte, então, no primeiro verso, por terminar em palavra aguda, somamos uma sílaba hipotética; no segundo paramos em na, tendo somado uma sílaba a lha e no terceiro em li (que seria a correção da aguda) e desprezando o da.

Neste padrão estes seriam versos de 11 sílabas métricas ou endecassílabos.


Na versificação portuguesa e na brasileira adota-se o primeiro padrão, o agudo. Portanto, tomaríamos esses versos por decassílabos.

Aqui cabem algumas observações. A maioria dos vocábulos portugueses também são paroxítonos (graves) e os poetas preferem seu uso aos oxítonos (agudos), como veremos mais adiante. N’Os Lusíadas, p. ex., dos 8.816 versos, apenas 6%, ou 471 deles, são agudos (2). Dessa forma, seria natural a utilização do padrão grave ou espanhol em nossa metrificação. De fato, isso já aconteceu, sendo assim contados os versos, até meados do século XIX, quando houve a chamada “Reforma de Castilho” em que ele propôs a mudança para o padrão agudo e, a partir daí, foi seguido pelos metrificadores, apesar de outro tratadista, Miguel do Couto Guerreiro (10), já em 1.784 ter proposto isso antes dele, porém sem conseguir que essa mudança fosse tão largamente seguida como o fez Castilho.

Em sua obra onde constam 26 regras para o bom poetar ele propõe na Regra IX “Attento á brevidade,..., ponho por novo methodo, como baliza, ou termo da medição do Verso Portuguez, a syllaba, sobre que cahe o seu accento predominante inclusivamente; porque estando elle certo até essa syllaba, infallivelmente está certo dahi por diante, ou cresá huma, ou cresçaõ duas...” (12 – p.6).

Suponho que entre as raízes da utilização, até Castilho, o padrão grave, também esteja o hábito que existia entre os poetas portugueses de versejar em espanhol, até o século XVI e princípios do XVII:

“Bernardim Ribeiro (1482 - 1552), apesar de ter vivido em um tempo cujos poetas portugueses costumavam poetar em castelhano...” (11-p. 128).

“Pero Andrade de Caminha (1520 – 1589)... também poetou em espanhol, como era comum entre os literatos de seu tempo, com exceção de António Ferreira.” (11 – p.147)

Isso tudo a título ilustrativo, pois, a contagem aguda preponderou e além de ser utilizada pela maioria dos poetas preocupados com metrificação, também é a base do ensino oficial.


6 – Espécies de Metros.

As Várias Correntes Existentes.

Quando se trata da quantidade de sílabas métricas ou pés por verso e sua classificação, existe certa divergência entre os vários tratadistas do assunto. Castilho e Bilac/Passos dizem que existem versos de 2 a 12 sílabas e que os de 2 a 4 são simples ou elementares e os demais compostos; Estrada, de 1 a 12, sem abordar a segunda questão e igualmente Ali, mas de 2 a 12; Araújo, elementares 1 a 3 e compostos de 4 a 14; Amorim de Carvalho, elementares 1 a 4, inclui outra significação de simples e compostos que variam de 5 a 12 e finalmente Chociay com elementares de 1 a 4, simples 4 a 12 e os compostos e quebrados como reunião de elementares e alguns simples em um mesmo verso.

Apesar deste trabalho se prestar a uma introdução ao estudo da Versificação para quem, se a assim o desejar, enveredar em pesquisa mais detalhada que satisfaça suas necessidades, sentimos ser necessário um certo distanciamento na linha usualmente utilizada (no sentido didático) de Castilho-Bilac/Passos, e optaremos por uma mais atual, de Amorim de Carvalho, por ficar mais clara a distinção entre o que seriam versos elementares, simples e compostos. Apesar disso, faremos breve exposição do que habitualmente se encontra nos tópicos de Versificação encontrados em nossos livros escolares, a título de comparação e para melhor entendimento da proposta de Amorim de Carvalho.


Os Metros em Língua Portuguesa.

Em língua portuguesa os versos mais indicados para o versejar vão de duas a doze sílabas métricas; número maior de pés (13 a 16) são difíceis de imprimir um ritmo seguro no andamento, carecendo de um número maior de pausas intermediárias. Portanto:

Última Forte Sílabas Métricas Sílabas Gramaticais Designação

1ª 1 1 (A) Monossílabo
2 (G)
3 (E)
2ª 2 2 (A) Dissílabo
3 (G)
4 (E)

3ª 3 3 (A) Trissílabo
4 (G)
5 (E)

4ª 4 4 (A) Tetrassílabo
5 (G)
6 (E)

5ª 5 5 (A) Pentassílabo
6 (G)
7 (E)

6ª 6 6 (A) Hexassílabo
7 (G)
8 (E)

7ª 7 7 (A) Heptassílabo
8 (G)
9 (E)

8ª 8 8 (A) Octossílabo
9 (G)
10 (E)

9ª 9 9 (A) Eneassílabo
10 (G)
11 (E)

10ª 10 10 (A) Decassílabo
11 (G)
12 (E)

11ª 11 11(A) Hendecassílabo
12 (G)
13 (E)

12ª 12 12 (A) Dodecassílabo
13 (G)
14 (E)


Obs.: (A) - Verso agudo
(G) - Verso Grave
(E) - Verso esdrúxulo

Assim são chamadas as medidas dos versos de acordo com a quantidade de sílabas métricas, delimitadas pela acentuação na última sílaba tônica, ou forte, de cada metro.

Interessa à Metrificação não apenas o tamanho do verso (se dissílabo, octossílabo, etc), mas o ritmo que ele possa ter. Tal ritmo impõe-se por pausas ou acentos intermediários, necessários não só à tarefa de respirar, bem como pela musicalidade que proporciona cada medida, além da pausa final.

Com o tempo, a prática e a familiaridade ao ouvido, elegeram-se formas-padrão de pausas aceitas pela maioria.

Castilho, seguindo o modelo dos antigos, dizia que essas pausas, na verdade, fazem com o que um verso seja o somatório de seus quebrados, ou seja: dos diferentes versos menores que o compõe, podendo ser chamados, também de pés.

Exemplo: “Não negues, eu vi!”

1 2 3 4 5 Localização dos Acentos
Não ne / gues, eu vi!
______ /__________/
1 2 Quantidade de Versos ou Pés

Neste pentassílabo vemos a ocorrência da acentuação intermediária na 2ª sílaba, além da pausa final na 5ª ( resumidamente 2-5), o que faz com que ele se divida em dois versos - um de uma sílaba, outro de duas sílabas métricas, pois “entenda-se bem, que falando aqui de metro não curamos da integridade das palavras, mas somente do som músico, isto é, de número e pausas” (7 – p.32).

Autores mais recentes, porém, a exemplo de Amorim de Carvalho, como veremos a seguir, deixam de lado esses versos quebrados sem integridade musical.


Versos Elementares

São os de uma, duas, três e quatro silabas métricas, pois “não têm quando tomados isoladamente, personalidade musical. São em rigor, simples formas elementares, que só na repetição ou na combinação com formas mais largas podem produzir interessante efeito” (5 – pp. 36-37). Além disso, acredita-se que quatro sílabas é a máxima extensão que pode ter um grupo silábico de átonas apoiado em apenas uma tônica. Araújo, sustenta que o de 4 “sons” já pode ser desdobrado em dois tipos: um de 1 outro de 3 sons e um segundo com dois sons de 2. Mas, fica a opção por apresentá-lo como elementar, alicerçado no argumento de Amorim de Carvalho, quanto à sua baixa personalidade musical isoladamente.

Verso de Uma Sílaba ou Monossílabo:

“Linhas excessivamente curtas... aparecem, às vezes, como valor de eco, refrão, etc...são imprestáveis, para, por si sós, formar poemas. O verso, propriamente dito começa com o trissílabo (padrão grave, correspondente ao dissílabo no padrão que adotamos, o agudo. N. do A.)” (2 – p.49).

Acentuado na única sílaba tônica. Isoladamente, sem combinarem com outros metros, carecem de expressividade, como o demonstra Bilac/Passos:

Amo,
Gemo,
Clamo,
Tremo!


Verso de Duas Sílabas ou Dissílabo:

O reduzido campo para desenvolvimento de idéias que se oferece ao poeta, faz com que sua utilização seja reduzida. Apresenta um único acento ou pausa na 2ª sílaba métrica:

Tu, ontem,
Na dança,
Que cansa,
Voavas
Coas faces
Em rosas
Formosas
De vivo
Lascivo
Carmim;... (Casimiro de Abreu)

Meus votos,
ó linda,
se ignotos
ainda
te são. (Castilho)


Verso de Três Sílabas ou Trissílabo:

Novamente é a repetição que justifica esse verso; isoladamente não possui muita expressão. Essa repetição que imprime um ritmo efetivo à composição pode causar sublime efeito:


Vem a aurora
Pressurosa,
Cor de rosa
Que se cora
De carmim... (Gonçalves Dias)

Ou como quebrado do heptassílabo:

Ö que saudades tamanhas
Das montanhas
Daqueles campos natais!
Daquele céu de safira
Que se mira
Que se mira nos cristais. (Casimiro de Abreu)


Verso de Quatro Sílabas ou Tetrassílabo:

O maior dos versos elementares podendo possuir acentuação interna (1-4 e 2-4); mas, o fato desta ser dispensável e por ser este o mais longo verso apoiado uma sílaba tônica final, que nos obriga a uma pausa para respirar ou para garantir ritmo, faz com que o designemos por elementar. Por essas características, estando “no meio do caminho” de uma extensão suficiente para exprimir mais claramente as idéias, também é mais utilizado como quebrado do heptassílabo, do octossílabo e do decassílabo.


Virgem das dores
Vem dar-me alento
Neste momento
De agro sofrer. (Castro Alves)


Ou nestes quebrados de oito sílabas:

Poupando votos / à loura Isbela
Se amor falasse / nos olhos dela (Bocage)

Que poderiam assim se apresentar:
Poupando votos
à loura Isbela
Se amor falasse
nos olhos dela


Versos Simples


São assim chamados, pois a acentuação ou pausa interna torna-se imprescindível e não são compostos pelo somatório de dois ou mais versos que tenham identidade própria (elementares ou mesmo simples). Vão de cinco a doze sílabas.


Verso de Cinco Sílabas ou Pentassílabo


Também chamados de redondilho menor, de redondilha menor ou redondilho pentassílabo. Sobre a redondilha diz Chociay (3 – p.85):

“Note-se a propósito que redondilha é, propriamente, uma quadra de versos pentassílabos (ou heptassílabos), com esquema rímico ABBA, empregada, por exemplo, na cantiga (a canción trovadoresca dos espanhóis), poema em que a quadra final faz um retorno rímico e temático à primeira (mote), razão por que esta forma foi entendida como redonda, donde a palavra redondilha. Aplica-se o vocábulo feminino ao tipo estrófico, e o masculino aos versos usuais nas redondilhas. Diz-se, portanto, versos redondilho ou verso de redondilha.”


Apresenta os seguintes esquemas de acentuação (incluindo a final):

1-5

Lágrima celeste
pérola do mar,
tu que me fizeste
para me encantar? (João de Deus)

2-5

O sino da torre
Carpindo quem morre
E o rio que corre
Banhando o chorão... (Casimiro de Abreu)

3-5

...que me tem cativo,
porque nela vivo
já não quer que viva. (Camões)

1-3-5

...somos nós cantando,
nós que as suas máguas... (Castilho)


Para que uma estrofe não fique repetitiva e cansativa, costuma-se combinar dois ou mais esquemas de acentuação diferentes:

Em tristes cuidados 2-5
Passo a triste vida; 1-3-5
Cuidados cansados, 2-5
Vida aborrecida... 1-5



Verso de Seis Sílabas ou Hexassílabo


Também chamado de heróico quebrado ou heróico menor, por ser o quebrado do decassílabo heróico (acentuado na sexta e décima sílaba).

O hexassílabo é um verso de acentuação incerta, cabendo-lhe várias tipos de pausas internas. Castilho recomenda o de esquema 2-4-6 apesar de afirmar que os demais são bons devendo, para melhor efeito da composição, entremear-se todos os padrões.

1-6
Lívidas começaram (Guerra Junqueiro)

2-6
Por muito que me abrandeis (Gregório de Matos)

3-6
Os canteiros molhados (Ribeiro Couto)

4-6
Vai desfolhando as rosas (Castilho)

1-3-6
brancas como as opalas (Guerra junqueiro)

1-4-6
Tu o meu bem serás (Cláudio Manuel da Costa)

2-4-6
Sumiu-se o Sol esplêndido (Castilho)


Verso de Sete Sílabas ou Heptassílabo


Chamado também de setissílabo, redondilho maior, de redondilha maior e redondilho heptassílabo.

É o metro mais popular em nossa língua tendo sido muito usado em cantigas populares, por prestar-se a “todas as expressões emocionais e a todos os temas e a todo o desenvolvimento de temática poética” (11 – p. 6Cool. Devido a isso, apesar de apresentar diversos padrões de acentos, os próprios tratadistas reconhecem que seu melhor uso é combinando os diversos padrões na estrofe: “o poeta satisfaz o impulso de assim se expressar, sem preocupação da variedade, e sem saber de outra razão, senão que o verso lhe soa bem ao ouvido” (2 – p.75).

Abaixo os esquemas de acentuação possíveis, elencados por Chociay (3 – pp. 88-90):

1-3-5-7
Mar e céu morreram juntos (Cecília Meireles)

1-3-7
Cumpre apenas o seu fado (Jorge de Lima)

1-5-7
Crespo vagalhão do oceano (Dante Milano)

3-5-7
De manhã estrelas verdes (Jorge de Lima)

3-7
Da letárgica bacia (Drummond)

5-7
Na perturbadora rota (Drummond)

1-7
Ilha de melancolia (Ribeiro Couto)

2-4-7
O fino dardo da chuva (Drummond)

4-7
Respiração ventaniada (Jorge de Lima)

2-5-7
Famélica voz perdida (Drummond)

2-7
Lembrava-se do passado (Cecília Meireles)

1-4-7
Asas das hastes pendidas (Jorge de Lima)


Para a liberdade de expressão do poeta convém deixar a estrofe composta por versos com acentuação incerta; mas há aqueles que, intencionalmente, constroem-na com um padrão determinado, por exemplo:

Eu trago os olhos cheinhos
Do verde intenso dos prados.
Do verde desses caminhos
Que neles tenho gravados. (Cacilda Celso)

A poetisa optou por um esquema pautado pela acentuação na 2ª e 4ª além da final na 7ª.


Verso de Oito Sílabas ou Octossílabo


Trata-se de uma medida não muito utilizada pelos poetas, não obstante recomendações em utilizá-lo pelos tratadistas. Diz Ali “Modernamente, empenham-se os poetas em cultivar com carinho o alexandrino dos franceses, a par do octossílabo e do hendecassílabo (respectivamente heptassílabo e decassílabo no padrão agudo; o grifo é nosso. N.do A .); mas ninguém morre de amores pelo verso eneassílabo (octossílabo, padrão agudo; idem)” e mais adiante “Das duzentas e tantas poesias de Olavo Bilac, duas foram compostas em versos de nove versos (oito, padrão agudo)...Nas poesias de Machado de Assis figura...duas vezes; nas de Raimundo Correia, uma vez” (2 – pp. 77-7Cool.

É imensa a possibilidade de combinações de acentos e talvez a mais bela seja a mais simples; aquele que é acentuado na 4ª sílaba:

Ó sonhador louco d’outrora,
teus sonhos lindos onde estão?
Ébrio de luz, rico d’aurora,
vi-te partir...e vejo agora
um morto erguido dum caixão! (Guerra Junqueiro)

Alguns outros exemplos:

2-4-6-8
No verso de_ouro engasto a rima (Bilac)

3-6-8
Toda casta de bestas feras (Machado de Assis)


E não pára por ai, numa seqüência quase ilimitada: 2-4-8; 1-3-5-8; 1-4-6-8; 2-6-8; 2-5-8; 1-3-6-8; 3-8; 1-6-8;...


Verso de Nove Sílabas ou Eneassílabo


Por ser seu múltiplo, parece que a melhor composição para o eneassílabo é a seqüência de acentuação 3-3-3.

No mosteiro vai fundo o silêncio;
Um silêncio que gera terror;
Só nos tectos, que banha o luar,
Solta o mocho seu pio de horror. (Alexandre Herculano)

Compreendo esse amargo sorriso,
Sobre as ondas correr eu quisera...
E de pé, sobre a rocha, indeciso
Eu lhe brado: não fujas, - espera! (Casimiro de Abreu)


Sobre ela, Castilho era conciso: “Qualquer outra composição deturparia esta medida” (7 – p.3Cool. Porém, há também:

1-3-6-9
Diga o anjo que sempre comigo (Tobias Barreto)

2-4-7-9
Também outrora, num mar de lua (Raimundo Correia)

1-4-7-9
Banhos de lua que fazem mal (Raimundo Correia)



Verso de Dez Sílabas ou Decassílabo


Na antiga poesia praticada em Portugal e no Brasil é, ao lado do heptassílabo, a medida mais utilizada; especialmente no modelo camoniano e por ser a medida do soneto clássico português.

Possui a exemplo do octossílabo, inúmeras variantes para composição do metro, mas as mais conhecidas são o decassílabo do tipo heróico, que por sua natureza vigorosa é adequada a assuntos de caráter épico ou de grande energia e o sáfico, que por sua musicalidade se ajusta a composições de caráter lírico.

O Heróico é fundado no esquema 6-10:

As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia lusitana,
Por mares nunca dantes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana... (Camões)


Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto. (Antero de Quental)

Uma regra que caiu em certo de desuso mas interessante era a sugestão de que o acento predominante na 6ª sílaba seja agudo:

“...o Verso Heróico inteiro deve ter a sexta syllaba muito aguda; donde se vê, que naõ basta, que tenha qualquer leve agudeza, como tem se, que, lhe, etc. mas he preciso, que seja aguda em todo o rigor, como só, ai, dar, etc.” (12 – p.7).


Já o Sáfico no 4-8-10:

Eu me remoço recordando a infância,
E tanto a vida me palpita agora
Que eu dera, ó Deus, a mocidade inteira
Por um só dia do viver d’outrora! (Casimiro de Abreu)


No ramo a ave despertava alegre
Ao som dos passos e do teu cantar;
Que íntimo gozo, que se não descreve,
Eu não sentia por te ouvir falar! (Guerra Junqueiro)


Verso de Onze Sílabas ou Hendecassílabo


Um metro muito utilizado no passado, por isso chamado de Arte Maior. À medida que os poetas passaram a privilegiar decassílabo, o dodecassílabo e também o alexandrino, esta medida ficou como que no meio do caminho entre os dois e seu uso definhou.

As três medidas mais usuais são:

2-5-8-11
No berço pendente de ramos floridos,
Em que_eu pequenino feliz dormitava,
Quem é que esse berço, com todo o cuidado,
Cantando cantigas, alegre embalava? (Casimiro de Abreu)

1-3-5-7-9-11
Minha velha ama, que me deste o peito (Guerra Junqueiro)

5-11
E o vento, que as rochas abala no cerro (Gonçalves Dias)


Verso de Doze Sílabas ou Dodecassílabo


O dodecassílabo freqüentemente se apresenta de duas maneiras: com esquema de pausas 6-12 e 4-8-12, podendo ocorrer outras variações ao sabor da criação do poeta.

Em 6-12 o acento interno recai na sexta sílaba diferindo do alexandrino quanto às regras para a existência da cesura – aqui ela é livre – melhor compreendidas no tópico Alexandrinos, no capítulo de versos compostos. Ou seja, é simplesmente um verso com acentuação interna na 6º silaba e final na 12ª.

Ora vive distante dos perversos trilhos (Eugênio de Castro)

Já o de acentuação 4-8-12 também chamado dodecassílabo tripartido é criação relativamente recente, de Victor Hugo.

Verdes figueiras soluçantes nos caminhos (António Nobre)

Neste gigante, em seu aspecto e seu fadário,
O quer que seja de extra-humano e de lendário? (Guerra Junqueiro)



Versos Compostos


No capítulo sobre cesura vimos que hemistíquio é cada verso componente de um verso composto.

Assim, se o verso composto tiver dois hemistíquios ou membros, chamaremos de dímetro; se três, trímetro; quatro, tetrâmetro e assim por diante. No sentido de resumir, se ele tiver mais que cinco membros ou cada membro for muito longo, o chamaremos de hipérmetro. A designação para cada caso particular se dará pela utilização do prefixos bi, tri, quadri, etc, ao tamanho original do verso: p. ex., bidecassílabo, tripentassílabo, quadritetrassílabo, etc. Finalmente, se eles forem compostos de hemistíquios iguais, serão entitulados de regulares (p.ex.: 6 + 6) e o forem de hemistíquios de diferentes metros, de irregulares (p.ex.: 6 + 4).

Via de regra os versos compostos diferem dos simples pela existência de hemistíquios inteiros; ou seja, que os versos que o compõe sejam realmente independentes. Podem apresentar cesuras átonas ou tônicas.

A diferença entre os compostos e simples pode ser percebida nestes exemplos de Guerra Junqueiro

Composto - Outros humildes, riso magoado 4(1) + 4 Cesura átona

Composto - Alma sem lar, ave sem ninho 4 + 4 Cesura tônica

Simples - Pobre de pobre_é pobrezinho 4 + 4 Cesura tônica induzida


Nestes exemplos, o primeiro é composto por possuir cesura átona e o segundo por possuir cesura tônica, estando. em ambos, garantida a integridade do verso. Já no terceiro, a integridade dos metros resultantes da divisão não é garantida, havendo uma elisão induzida por sinalefa.

Ter claro o conceito de cesura ajuda na compreensão deste tipo de verso; em caso de dúvida é recomendável rever o capítulo correspondente.

Como existem muitos modelos de versos compostos, apresentaremos as mais usuais, utilizadas na prática.


Compostos Regulares


Bitetrassílabo


Dois tetrassílabo em dímetro. Quando com cesura átona na 5ª, totaliza nove sílabas.


4(1) 4
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Uma voz rouca, / grandes bordões

Bipentassílabo


Dímetro de dois pentassílabos. Quando com cesura átona na 6ª, perfaz onze sílabas.

Couto Guerreiro chamava-o de “Verso de Arte Maior”


5(1) 5
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Que sonhos que a mente / sonhara tão plácidos



Biexassílabo ou Alexandrino:


Essa é a medida da métrica francesa para a poesia épica que corresponderia ao nosso heróico decassílabo. É alexandrino por coincidência designar ao mesmo tempo o título do poema épico composto em doze sílabas Roman d’Alexandre e do nome de seu continuador na poesia francesa, Alexandre de Bernay.

Existem dois tipos de alexandrinos: o de cesura átona ou espanhol e o de cesura tônica ou francês, também chamado de clássico, entre nós.

1) Alexandrino de Cesura Átona ou Espanhol:

Este alexandrino, muito usado na poesia espanhola, não é praticado com a mesma constância na poesia portuguesa. Tem entre 13 e 14 sílabas em função da cesura átona no primeiro hemistíquio ser grave ou esdrúxula (ver capítulo sobre “Cesura”).

Exemplo 1 – Cesura átona em palavra grave, 13 sílabas:

6(1) 6
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Tu que os costumes nossos / melhor que ninguém pintas (J. B. Gama)



Exemplo 2 – Cesura átona em palavra esdrúxula, 14 sílabas:

6(2) 6
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E deitar-me no túmulo / depois de o escrever (Amorim de Carvalho)


1) Alexandrino de Cesura Tônica ou Francês ou Clássico:

É o alexandrino que importamos diretamente da métrica francesa, medida mais utilizada nas composições portuguesas, inclusive sonetos. Tem 12 sílabas em função da cesura no primeiro hemistíquio ser sempre tônica.

Este alexandrino se apresenta em dois tipos: com cesura tônica natural em palavra aguda e outra com cesura tônica induzida por sinalefa em palavra grave. Importante: note-se que em palavra esdrúxula não conseguiremos um alexandrino clássico, pois, quando muito, pode-se elidir a primeira sílaba dela com a primeira do hemistíquio seguinte, mantendo-se mesmo assim a cesura como átona (apenas transformando-a de cesura átona esdrúxula em cesura átona grave. Em Bilac: “a última palavra de um verso nunca pode ser esdrúxula” (6- p. 6Cool.


Exemplo 3 – Cesura tônica natural na última sílaba da palavra aguda, 12 sílabas:

6 6
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Na trágica mudez / das nuvens pardacentas (Guerra Junqueiro)



Exemplo 4 – Cesura tônica induzida por sinalefa em palavra grave, 12 sílabas:

6 6
_________________ ___________________
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A aldeia dorme ainda. /_Apenas se pressente (Guerra Junqueiro)



Exemplo 4 .1– Cesura tônica induzida por sinalefa em palavra grave, 12 sílabas:


6 6
________________ _______________________
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O cão ladra faminto./_E_a_esplêndida alvorada (Guerra Junqueiro)



Exemplo 4 .2– Cesura tônica induzida por sinalefa em palavra grave, 12 sílabas:

6 6
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Em vez de consonância_/_horrores causaria (Abade de Jazende)


O três exemplos de cesuras tônicas induzidas por sinalefa (4, 4.1 e 4.2) sintetizam a regra básica da elisão nos alexandrinos clássicos:

“Quando o primeiro hemistíquio termina por palavra grave, a sílaba átona final desta palavra elide-se com o hemistíquio seguinte, que deve, neste caso, começar por som vocálico” ( - p. 124).

Ou de maneira bem prática em Bilac:

“quando a última palavra do primeiro verso de seis syllabas é grave, a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por um h” (6 – p.6Cool


Comentários sobre os Alexandrinos


Certa confusão existe no emprego dos versos dodecassílabos, alexandrinos clássicos ou espanhóis; a começar mesmo por essas nomenclaturas. Por tudo que observamos, destacamos:

- O alexandrino clássico não é verso exclusivo do soneto; pode ser utilizado em qualquer composição;
- Existem dois alexandrinos, o francês e o espanhol;
- Pode-se compor sonetos com alexandrinos espanhóis, apenas não será este soneto denominado de “alexandrino clássico”, uma vez que não se utiliza do padrão francês para sua composição;
- Alguns poetas chegam mesmo a combinar em uma mesma estrofe alexandrinos espanhóis e clássicos.


Compostos Irregulares

Muitas podem ser suas apresentações, porém, por concisão apresentamos uma dentre elas; a mais conhecida, que é o decassílabo francês - um dímetro irregular composto por um tetrassílabo e um hexassílabo.

Ele apresenta as mesmas regras do alexandrino quanto à cesura.

Isso se deve à métrica francesa realmente praticar o padrão agudo, dado que a maioria de suas palavras serem desse tipo e, naturalmente, os versos não possuírem quebra por acentuação, apresentando-se, na maioria das vezes inteiros. Quando isso não ocorre, os poetas franceses induzem a cesura tônica por elisão com sinalefa.

Por isso optamos, neste trabalho, a separação elementares-simples-compostos, para melhor demonstrar o porquê da existência da diferença entre dodecassílabos e alexandrinos e decassílabos de decassílabos franceses; separação essa que nos explica melhor a fórmula de construção desses metros. Na verdade, a relativa confusão existente na metrificação portuguesa, quanto aos modelos de construção do verso está na importação e substituição algo súbita de modelos de fora, no início espanhóis e depois franceses


4 6
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Na mão de Deus, / sua mão direita (Antero de Quental)



4(1) 6
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Como a criança_/_ em lôbrega jornada (Antero de Quental)
















III – A HARMONIA DO VERSO.


Seja em verso branco (solo) ou rimado, seja metrificado ou livre, é certo que alguns soam melhor que outros, por existir uma melhor – e clara – fluência rítmica. O verso segue sem sobressaltos, limpo, agradável; enfim, harmonioso.

Dizia Castilho: “Ac