PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 

Dante Alighieri nasceu em Florença em 1265 de uma família da baixa nobreza. Sua mãe morreu quando era ainda criança e seu pai, quando tinha dezoito anos.

Pouco se sabe sobre a vida de Dante e a maior parte das informações sobre sua educação, sua família e suas opiniões são geralmente meras suposições. As especulações sobre a sua vida deram origem à vários mitos que foram propagados por seus primeiros biógrafos, dificultando o trabalho de separar o fato da ficção. Pode-se encontrar muita informação em suas obras, como na Vida Nova (La Vita Nuova) e na Divina Comédia (Commedia).

Na Vida Nova Dante fala de seu amor platônico por Beatriz (provavelmente Beatrice Portinari), que encontrara pela primeira vez quando ambos tinham 9 anos e que só voltaria a ver 9 anos mais tarde, em 1283. Nos tempos de Dante, o casamento era motivado principalmente por alianças políticas entre famílias. Desde os 12 anos, Dante já sabia que deveria se casar com uma moça da família Donati. A própria Beatriz, casou-se em 1287 com o banqueiro Simone dei Bardi e isto, aparentemente, não mudou a forma como Dante encarava o seu amor por ela. Provavelmente em 1285, Dante casou-se com Gemma Donati com quem teve pelo menos três filhos. Uma filha de Dante tornou-se freira e assumiu o nome de Beatrice.

Em 1290, Beatriz morreu repentinamente deixando Dante inconsolável. Esse acontecimento teria provocado uma mudança radical na sua vida o levando a iniciar estudos intensivos das obras filosóficas de Aristóteles e a dedicar-se à arte poética.

Dante foi fortemente influenciado pelos trabalhos de retórica e filosofia de Brunetto Latini - um famoso poeta que escrevia em italiano (e não em latim, como era comum entre os nobres), tendo também se beneficiado da amizade com o poeta Guido Cavalcanti - ambos mencionados na sua obra. Pouco se sabe sobre sua educação. Segundo alguns biógrafos, é possível que tenha estudado na universidade de Bologna, onde provavelmente esteve em 1285.

A Itália no tempo de Dante estava dividida entre o poder do papa e o poder do Sagrado Império Romano. O norte era predominantemente alinhado com o imperador (que podia ser alemão ou italiano) e o centro, com o papa (veja mapa).

A Itália, porém, não era um império coeso. Não havia um único centro de poder. Havia vários, espalhados pelas cidades, que funcionavam como estados autônomos e seguiam leis e costumes próprios. Nas cidades era comum haver disputas de poder entre grupos opositores, o que freqüentemente levava a sangrentas guerras civis. Florença era, na época, uma das mais importantes cidades da Europa, igual em tamanho e importância a Paris, com uma população de mais de 100 mil habitantes e interesses financeiros e comerciais que incluíam todo o continente.

A política nas cidades representava os interesses de famílias. A afiliação era hereditária. A família de Dante pertencia a uma facção política conhecida como os guelfos (Guelfi) - representados pela baixa nobreza e pelo clero - que fazia oposição a um partido conhecido como os guibelinos (Ghibellini) - representantes da alta nobreza e do poder imperial. Os nomes dos dois grupos eram originários de partidos alemães, porém os ideais políticos eram um mero pretexto para abrigar famílias rivais. Florença se dividiu em guelfos e guibelinos quando um jovem da família Buondelmonti não cumpriu uma promessa de casamento com uma moça da família Amadei e foi assassinado. As famílias da cidade tomaram partido por um lado ou por outro e Florença se dividiu em guelfos e guibelinos.

Dante nasceu em uma Florença governada pelos guibelinos, que haviam tomado a cidade dos guelfos na sangrenta batalha conhecida como Montaperti (monte da morte), em 1260. Em 1289, Dante lutou com o exército guelfo de Florença na batalha de Campaldino, onde os florentinos venceram os exércitos guibelinos de Pisa e Arezzo, e recuperaram o poder sobre a cidade.

Na época de Dante, o governo da cidade era exercido por representantes eleitos de corporações de operários, artesãos, profissionais, etc. chamadas de guildas. Dante se inscreveu na guilda dos médicos e farmacêuticos e disputou as eleições em Florença, tendo sido eleito em 1300 como um dos seis priores (presidentes) do Conselho da Cidade.

A maior parte do poder em Florença estava então nas mãos dos guelfos - opositores do poder imperial. Mas o partido em pouco tempo se dividiu em duas facções. A causa foi novamente uma rixa entre famílias, desta vez, importada da cidade de Pistóia. Os Cancellieri era uma grande família de Pistóia, descendentes de um mesmo pai que tivera, durante sua vida, duas esposas. A família Cancellieri se dividiu quando um membro desajustado da família assassinou o tio e cortou a mão do primo. Os descendentes da primeira esposa do Cancellieri, que se chamava Bianca, decidiram se apelidar de Bianchi. Os rivais, que defendiam o jovem assassino, se apelidaram de Neri (negros) em espírito de oposição. A briga tomou conta de Pistóia e a cidade acabou sofrendo intervenção de Florença, que levou presos os líderes dos grupos rivais. Mas as famílias de Florença não demoraram a tomar partido e, por causa de uma briga de rua, a divisão se espalhou pela cidade, dividindo os guelfos em negros e brancos.

Depois de criados, os partidos assumiram posições políticas. Os guelfos brancos, moderados, respeitavam o papado mas se opunham à sua interferência na política da cidade. Já os guelfos negros, mais radicais, defendiam o apoio do papa contra as ambições do imperador, que era apoiado pelos guibelinos.

Os priores de Florença (entre eles Dante) viviam em constante atrito com a igreja de Roma que, sob o governo do papa Bonifácio VIII, pretendia colocar toda a Itália sob a ditadura da igreja. Em um dos encontros com o papa, onde os priores foram reclamar da interferência da igreja sobre o governo de Florença, Bonifácio respondeu ameaçando excomungá-los. A briga entre os Neri e Bianchi tornou-se cada vez mais intensa durante o mandato de Dante até que ele teve que ordenar o exílio dos líderes de ambos os lados para preservar a paz na cidade. Dante foi extremamente imparcial, incluindo, entre os exilados, um dos seus melhores amigos (Guido Cavalcanti) e um parente de sua esposa (da família Donati).

No meio da confusão entre os guelfos de Florença, o papa decidiu enviar Carlos de Valois (irmão do rei Felipe da França) como pacificador para acabar com a briga entre as facções. A suposta ajuda, porém, revelou ser um golpe dos Neri para tomar o poder. Eles ocuparam o governo de Florença e condenaram vários Bianchi ao exílio e à morte. Dante foi culpado de várias acusações, entre elas corrupção, improbidade administrativa e oposição ao papa. Foi banido da cidade por dois anos e condenado a pagar uma alta multa. Caso não pagasse, seria condenado à morte se algum dia retornasse a Florença.

Dante no Exílio. Anônimo. Archivo Iconográfico S. A., Itália.
Imagem pertencente à Corbis Image Collections.

No exílio, Dante se aproximou mais da causa dos guibelinos (o império), à medida em que a tirania do papa aumentava. Ele passou o seu exílio em Forlì, Verona, Arezzo, Veneza, Lucca, Pádua (e também provavelmente em Paris e Bologna). Em 1315 voltou a Verona e dois anos depois fixou-se em Ravenna. Suas esperanças de voltar a Florença retornaram depois que o sucessor de Bonifácio VIII chamou à Itália o imperador Henrique VII. O objetivo de Henrique VII era reunir a Itália sob seu reinado. Porém a traição do papa, que ainda alimentava a idéia de ter um império próprio, seguida por uma nova vitória dos Neri e a morte de Henrique VII três anos depois enterraram de vez as suas esperanças.

Na obra La Vita Nuova, seu primeiro trabalho literário de importância, iniciado pouco depois da morte de Beatriz, Dante narra a história do seu amor por Beatriz na forma de sonetos e canções complementadas por comentários em prosa. Durante o seu exílio Dante escreveu duas obras importantes em latim: De Vulgari Eloquentia, onde defende a língua italiana, e Convivio, incompleto, onde pretendia resumir todo o conhecimento da época em 15 livros. Apenas os quatro primeiros foram concluídos. Escreveu também um tratado: De Monarchia, onde defendia a total separação entre a Igreja e o Estado. A Commedia consumiu 14 anos e durou até a sua morte, em 1321, ocorrida pouco após a conclusão do Paraíso. Cinco anos antes de sua morte, foi convidado pelo governo de Florença a retornar à cidade. Mas os termos impostos eram humilhantes, semelhantes àqueles reservados à criminosos perdoados e Dante rejeitou o convite, respondendo que só retornaria se recebesse a honra e dignidade que merecia. Continuou em Ravenna, onde morreu e foi sepultado com honras.

Helder da Rocha

Fontes: [Encarta 97], [Larousse 98], [Mauro 98], [Musa 95], [Cambridge].
Nota: Muitas fontes apresentaram informações contraditórias sobre a vida de Dante, principalmente em relação a datas e sobre sua família. Neste texto, mantive as informações das fontes que eu considerei mais confiáveis. Outros textos podem, portanto, apresentar versões diferentes.

biografia colhida em :

www.stelle.com.br/pt/dante.html

 

 
Dante Alighieri
— Itália, 1265-1321 —

 

Trad. Diego Raphael

 

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SEXTINA

Ao dia exíguo e ao grande anel de sombra exausto chego, e ao branco das colinas, quando já se desfaz a cor na erva: não perde, entanto, o meu desejo o verde, pois enraizado está em dura pedra que fala e sente como uma senhora. Similarmente esta nova senhora está gelada como neve em sombra; não a remove, senão como pedra, o doce tempo que envolve as colinas e que transforma todo o branco em verde porque as recobre de flores e de erva. Quando ela traz uma guirlanda de erva, tira da nossa mente outra senhora: porque tão bem se mescla o louro ao verde que Amor acorre e vem ficar-lhe à sombra, a me encerrar entre baixas colinas, muito mais forte que calcária pedra. Mais régia é sua beleza do que pedra e seu golpe sanar não pode a erva; que eu já fugi por planos e colinas tentando me afastar desta senhora; e ao seu lume não vejo qualquer sombra de graves muros nem de fronde verde. Vestida um dia a vi, toda de verde, tão bela que ela já guardara em pedra esse amor que transporto à sua sombra, onde eu a quis em grato prado de erva enamorada, tal rara senhora, e cercada de altíssimas colinas. Mas bem os rios retornam às colinas antes que eu sinta todo o lenho verde se inflamar, como ocorre a uma senhora, por mim; então irei dormir em pedra todo o meu tempo e me servindo de erva, só para ver o trajo seu em sombra. Quando quer que as colinas tragam sombra, sob tão belo verdor esta senhora a faz oculta, pedra sob a erva. °°°

CANÇÃO

Amor, agora vês que esta senhora o teu valor não teme em algum tempo, que d'outras damas já se fez senhora; e ao perceber que era minha senhora pelo teu raio que me envolve em luz, da crueldade se tornou senhora; ela não coração tem de senhora, mas como o de uma fera imerso em frio, que pelo tempo quente ou pelo frio me faz ter na memória uma senhora que fosse feita d'uma bela pedra por mão de quem melhor talhasse pedra. E eu, que mais pertinaz sou do que pedra a te servir por tão bela senhora, oculto levo o golpe de uma pedra com a qual tu me feriste como a pedra que te cansou durante muito tempo, vindo ao meu coração, onde sou pedra. Pois não se descobriu nenhuma pedra ou de esplendor do sol ou sua luz, que virtude tivesse ou mesmo luz que me afastar pudesse desta pedra, p'ra qu'ela não me atasse com seu frio nem me levasse a ter da morte o frio. Senhor, tu sabes que o vigor do frio transforma a água em cristalina pedra lá sob a tramontana, onde faz frio, e o ar também em elemento frio se faz; assim a água é tal senhora naquela parte por razão do frio: então diante de um semblante frio meu sangue é frio durante todo o tempo, e o pensamento que me encurta o tempo se me converte todo em corpo frio, que se dissolve por meio da luz por onde entrou a rigorosa luz. Nela a beldade expõe toda a sua luz; assim de toda crueldade o frio lhe chega ao coração, que não há luz: porque no olhar tanto me assalta luz quando a contemplo, qu'eu a vejo em pedra aonde quer eu lance a minha luz. A mim seus olhos cedem doce luz e não posso querer outra senhora: se mais piedosa fosse essa senhora... pois eu a chamo à noite ou mesmo à luz e sirvo-a em qualquer lugar e tempo! Por tal viver desejo muito tempo. Porém, Virtude, anterior ao tempo, ao movimento e à mais sensível luz, apieda-te de mim neste mau tempo; vai ao seu coração, que já é tempo, e assim por ti desapareça o frio que não me deixa ter, com'outros, tempo: que se me chega o teu mais forte tempo em mau estado, essa bondosa pedra há de me ver deitado em pouca pedra p'ra só me levantar depois do tempo, quando verei se no mundo senhora houve mais bela e acerba que senhora. Canção, trago na mente uma senhora tal que, mesmo se assemelhando à pedra, me dá vigor, e o homem vejo frio; então eu ouso e faço desse frio o novo que por tua forma luz e não sonhado foi em algum tempo. °°°

BALADA

Vós que tão bem sabeis falar d'Amor, ouvi minha balada piedosa que fala d'uma dama desdenhosa, a qual roubou-me o peito por valor. Tanto desdenha aquele que a admira que dele abaixa o olhar em amargura, pois ao redor de seus olhos retira um gênio a crueldade e desventura. Mas este olhar traz a doce figura que faz a alma gentil dizer: "Mercê!" Tão virtuosa que, quando se vê, suspira o coração imerso em dor. Eis o que diz: "Serei um tanto hostil com aqueles quem desejam meu olhar, pois nele trago o bom senhor gentil que já me fez sentir seu dardejar". Pois acredito que cerra o olhar pra observá-los quando bem lhe apraz; desse modo a formosa dama faz quando se olha, para o próprio honor. Eu não espero que pela piedade deseje contemplar algum semblante, pois é dama feroz em sua beldade a que no olhar transporta Amor galante. Mas tanto quer guardá-lo que, possante, não me permite ver tanta virtude; no entanto o meu desejo não se ilude e luta com o desdém, o meu temor. °°°

ESTÂNCIA

Meu peito servidor vos recomenda Amor, que vos tem dado, e Mercê d'outro lado de mim vos traz alguma relembrança; pois do vosso valor antes qu'eu tenha muito me afastado, me tem já confortado de retornar a minha doce esp'rança. Ó Deus, pouco permaneci na estância, segundo o parecer! assim para vos ver quer regressar a mente em segurança, pois tanto a caminhar ou descansando, dama gentil, estou a vós me dando. °°°

CANÇÃO

Vós, que o terceiro céu sabeis mover, ouvi o que o meu peito vem depor, que é novo e não direi a mais ninguém. O céu que segue já o vosso valor, pois sois criatura doce de se ver, lançou-me neste estado e me detém. A fala de minha vida, só desdém, com dignidade a vós há de chegar; vos peço que atendeis ao meu pedido. Direi o que o meu peito tem sentido, como a alma triste nele vem chorar e como quer um esp'rito removê-la, pois nasce no fulgor de vossa estrela. Era a vida do coração dolente um doce pensamento, que a toda hora partia rumo aos pés do meu Senhor, onde glorificada era a senhora que a mim se dirigia docemente e minh'alma falava: "Eis meu penhor!" Agora surge quem rouba o louvor e me domina com tanta virtude que meu peito estremece e além se vê. Este me faz uma dama requerer e diz: "Quem salvação quiser, saúde o olhar desta senhora, meu retiro, se não temer a angústia dos suspiros". Assim vê o inimigo e desfalece quem me falava, humilde pensamento daquela dama no céu coroada. A alma lamenta tanto sofrimento e diz: "Eu sofro, pois desaparece aquele que me tinha confortada!" E dos meus olhos fala, atormentada: "Ah, quando terão visto esta senhora? A mim eles não mais se voltarão?" Eu digo: 'É que nos olhos dela vão os que torturam meu olhar agora'. "Não me valeu notar: quem me conforta não me contempla mais, pois estou morta!" 'Não estás morta, mas estás sentida, alma que de tal modo te lamentas', diz um espírito d'amor, galante. 'Aquela dama que tu vês, atenta, mudou de tal maneira a tua vida que sentes medo, tanto és fatigante. Vê como tem piedade em seu semblante, o quanto em sua grandeza ela é cortês; pensa em chamá-la sempre de senhora! Porque se não te iludes, sem demora toda a beleza dos milagres vês, assim dizendo: "Amor, senhor veraz, eis tua serva; faze o que te apraz"'. Canção, eu creio que poucos serão aqueles que compreendam tua mensagem, tanto te fazes cansativa e forte. Se, por ventura, chegas da viagem a alguém que não entenda a inscrição, a alguém que não entenda a tua sorte, humilde, peço que te reconfortes, dizendo-lhe dileta esta querela: "Ao menos vede bem como sou bela." °°°

SONETO

Palavras que no mundo vão correr, vós que nascestes com meu nascimento, dizendo à dona de meus sentimentos: "Vós que o terceiro céu sabeis mover",

segui aonde ela está; deveis saber
que há de chorar com vosso esquecimento;
dizei: "Nós somos vossas, mas o intento
quer que não mais volteis a nos rever".

Com ela não fiqueis, não é Amor;
então vagai com vosso ar dolente
como as irmãs antigas ao penhor.

Quando encontrardes dama de valor,
chegai dizendo a ela, humildemente:
"A vós viemos prestar nosso louvor".



°°°


CANÇÃO

O doloroso Amor que me conduz à morte para deleitar aquela que tinha meu esp'rito consumido, tirou-me e ainda tira-me esta luz que ao meu olhar lançava tal estrela, pois dela não me cria ressentido; agora o golpe que tive escondido se manifesta por imensa dor, a qual nasce do fogo que me privou do jogo, tanto que mal maior eu não espero; a minha vida (que me expira logo) suspira à morte e de tal modo diz: "Morro pela de nome Beatriz". Seu doce nome que me punge o peito todas as vezes que eu o vejo escrito, me fará novo cada sofrimento; então meu corpo há de ficar desfeito e será meu semblante tão aflito que o que me vir será todo lamento. Assim não haverá tão brando vento que não me arraste, e ficarei ao frio; por este serei morto e o sofrimento o porto d'alma que há de vagar errante e triste; pois um no outro encontrará conforto, lembrando aquele rosto que diviso, com o qual nada parece o Paraíso. Pensando o que d'Amor tem comprovado, minh'alma do prazer não quer conceitos nem vê o sofrimento que a pretende: pois quando for meu corpo calcinado, há de seguir Amor caminho estreito, chegando Àquele que tudo compreende; se a paz os seus pecados não ascende, há de partir na angústia de que é digna; mas disso não se assenta, e estará tão atenta imaginando aquela onde se encontra, que dor nenhuma mais experimenta; porque se neste mundo eu o perdi, no outro Amor há de me ressarcir. Morte, que dás prazer a tal senhora, por piedade, antes que eu te prove, vai perguntar a ela porque a luz de seu olhar me move ao sofrimento e logo me abandona. Se de outros ela é senhora e dona, fala e então perdoa o pecador, que assim hei de morrer sem tanta dor. °°°

ESTÂNCIA

Senhora, este que vai com assiduidade em vosso olhar e é dono de pujança, me traz a segurança de que sereis amiga da piedade; mas demorado está em sua estância, e acompanhado por muitas beldades atrai toda bondade a si, como a mostrar maior pujança. Então sempre conforto a esperança, a qual tem sido já tão combatida que a teria perdida, se não fosse o Amor que o mal abate e lhe cede valor com sua visita e com a relembrança do ameno sítio e da suave flor que com uma nova cor a minha fronte adorna, mercê que a vossa cortesia entorna. °°°

CANÇÃO

Amor, que tens no céu tua virtude (como o sol o esplendor, pois lá mais se aprecia o seu valor, onde seu raio mais nobreza prova), já que a escuridão e o gelo iludes, assim, nobre senhor, de um peito expulsa todo o dissabor, que a ira a ti não faz mais dura prova: nasce de ti o bem que não se estorva, o qual o mundo inteiro está à procura; sem ti nada perdura, nada que o bem nos faça realizar, como a pintura em tão escura parte que não deixa mostrar a luz da cor, o brilho de sua arte. Fere-me o peito sem cessar tua luz, como o raio na estrela, porque minh'alma faz-se escrava dela, escrava de tua força inteiramente; nasce um desejo então que me conduz com sua doce loqüela a contemplar as coisas que são belas, tão prazerosas quanto mais frementes; por esse meu olhar veio-me à mente uma dama que me tem a ela preso, também o peito aceso, como água por clareza a chama acende; pois que à sua chegada, os raios teus, com os quais ela me esplende, vieram todos ter com os olhos meus. É tão bela em seu ser e tão gentil nos atos e amorosa, que o pensamento meu deixa-a formosa em minha mente, onde a guardo bem; não que seja por si mesma sutil pra tão sublime cousa, mas para o que ela faz tão virtuosa de tua pureza a força ela obtém. Conforto é sua beleza pro teu bem, enquanto julgar pode-se o efeito em tão nobre sujeito, assim como é o sol sinal de fogo, o qual a luz não dá, tira virtude; no entanto, além, tão logo faz com tenha o aspecto seu saúde. Então, senhor de natureza pura, a generosidade que ao mundo vem é toda alta bondade e seus princípios vêm de tua alteza; vê como a minha vida é só tortura e tem de mim piedade, que o teu ardor por toda a sua beldade me faz sentir, assim, grave aspereza. Fá-la sentir, Amor, por tua grandeza, o meu desejo de só querer vê-la. Mas não permitas que ela em juventude me conduza à morte; ela não sabe o quanto ela me apraz, nem como o amor é forte, nem como traz no olhar a minha paz. Se me ajudares, te darei louvor, a mim rico presente, pois sei que minha força está ausente e que não posso defender minha vida; o meu esp'rito está tão sem vigor que não estou presente, e se comigo não és complacente, que possa então viver uma sobrevida. Que seja a tua força, então, sentida por tal senhora, que tanto a merece; porque bem nos parece que graças deva ter por companhia, como a que veio ao mundo iluminada pra ter soberania sobre os que a têm na mente celebrada. °°°

SONETO

Dama gentil, às vossas mãos envia meu coração o espírito sem vigor: e tão dolente ele se vai que Amor o mira com piedade e assim o desvia.

Vós o legastes à sua senhoria
de tal modo que não mais tem valor
e apenas isto diz: "Ó meu senhor,
o que quereis entrego sem porfia".

Bem sei que o vil contente não vos faz;
mas a morte, que a mim não foi servida,
vem se alojar amarga no meu peito.

Minha dama gentil, enquanto há vida,
para que eu morra consolado e em paz,
não me negueis semblante tão perfeito. 

poemas colhidos em:

http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/dante.htm