PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 

Nasceu em 18 de Abril de 1842, na cidade de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel. Na mesma cidade faleceu a 11 de Setembro de 1891, suicidando-se com dois tiros de revólver, sentado num banco, próximo do muro do convento do Senhor Santo Cristo dos Milagres, acima do qual, gravada, se encontrava (e encontra), uma âncora atravessada pela palavra Esperança.

"Filósofo de estirpe germânica, triturador de verdades, afirmou-se talvez o maior homem de ideias de Portugal, sabendo criar pensamentos poéticos e não pondo palavras de mais no que escrevia. Sentia e raciocinava simultaneamente, ligando o espírito geométrico ao espírito de finura, e sua obra, um misto de inspiração e de meditação, mostra que é possível filosofar em verso".

Agripino Grieco, Antero, in
S. Francisco de Assis e a Poesia Cristã, pág. 193 ED
"Livros do Brasil", Lisboa

 

A UM POETA
Surge et ambula


Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera um só aceno...

Escuta! é a grande voz das multidões
São teus irmãos, que se erguem! são canções...
Mas de guerra... e são vozes a rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Antero de Quental

 Urbano Bettencourt nasceu na Piedade, Ilha do Pico em 1949. Frequentou o Seminário de Angra, que abandonou, vindo posteriormente a licenciar-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa, depois de uma experiência de dois anos de guerra colonial na Guiné-Bissau. Professor do Ensino Secundário na margem sul do Tejo e em Ponta Delgada, e, desde 1990 Assistente Convidado da Universidade dos Açores, onde tem leccionado Literatura Portuguesa Clássica, Estudos Literários e Literatura Açoriana. Tem colaboração dispersa por jornais, revistas, rádio e televisão, para a última das quais adaptou, com José Medeiros, o romance Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio. Obras: Raiz de Mágoa (poesia), Setúbal, 1972. Ilhas (narrativas), de parceria com Santos Barros, Lisboa, 1976. Marinheiro com residência fixa (poesia, narrativas), Lisboa, 1980. O Gosto das Palavras (ensaios), Angra, 1983. Naufrágios Inscrições (poesia, narrativas), Ponta Delgada, 1987. Emigração e Literatura (ensaio), Horta, 1989. O Gosto das Palavras II (ensaios), Ponta Delgada, 1995. Algumas das Cidades (poesia, narrativas), Angra, 1996.

 CIDADES DE PASSAGEM

Tenho viajado muito
nem sempre na melhor altura.
Em Bolama ninguém me acompanhou
na casa de chá em ruínas onde as chávenas
estremeciam sempre que uma granada
caía sobre a praia.
Passei por Trieste numa tarde triste.
Na sala do Hotel Garibaldi o pianista
amparava-se nos Nocturnos de Chopin, à meia-luz,
havia uma chuva fina e George Sand
não apareceu.
Del Giudice julgava ainda
poder encontrar-se com Gerti;
ela, porém , partira há muito levada
por um verso de Montale:
i sedicenti vivi
non sono tutti morti.
Na estação o Anjo serviu-nos um café forte.
    D.G. partiu também por fim
pude ver o comboio perder-se
por entre a chuva e a noite.
Em Amesterdão
marinheiros mijavam para o céu
que não havia
e as estrelas caíam,
mesmo assim, nos seus cabelos. Um cantor rouco
de raivas e ternuras comovia-se até aos ossos
com a virtude das mulheres infiéis.

in Algumas das Cidades (poesia, narrativas), Angra, 1996.

 

 " Escritora e poetisa, nasceu na ilha de S. Miguel a 13 de Setembro de 1923. Ainda criança veio estudar para Lisboa onde se iniciou muito cedo na carreira literária. Exerceu a sua actividade criadora em campos tão diversos como o ensaio, o romance, o teatro e a investigação literária. Mas é sobretudo na poesia que o seu talento de escritora vanguardista e independente de quaisquer agrupamentos poéticos ganha plena expressão, assegurando-lhe um lugar de destaque entre os grandes vultos da literatura contemporânea..."
 

POEMA DESTINADO A HAVER DOMINGO


Bastam-me as cinco pontas de uma estrela

E a cor dum navio em movimento

E como ave, ficar parada a vê-la

E como flor, qualquer odor no vento.


Basta-me a lua ter aqui deixado

Um luminoso fio de cabelo

Para levar o céu todo enrolado

Na discreta ambição do meu novelo.


Só há espigas a crescer comigo

Numa seara para passear a pé

Esta distância achada pelo trigo

Que me dá só o pão daquilo que é.


Deixem ao dia a cama de um domingo

Para deitar um lírio que lhe sobre.

E a tarde cor-de-rosa de um flamingo

Seja o tecto da casa que me cobre


Baste o que o tempo traz na sua anilha

Como uma rosa traz Abril no seio.

E que o mar dê o fruto duma ilha

Onde o amor por fim tenha recreio.


Natália Correia

in Passaporte (1958)