PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 
Armando Artur

 Quando deponho sobre os teus dedos
 

Quando deponho sobre os teus dedos de frio
uma mão de grinalda e de sonhos
 vejo o amanhã inscrito nos teus olhos.

 

VIAGE

Para habitar as planícies da ausência
e escalar os montes de tempo
 que não vives

eis a secreta viagem
 duma ave imaginária
em busca do instante
onde tudo recomeça

 

AGORA (NAO) PROFESSO
 

Agora não professo
nem sussurro ao vento
os segredos que reinvento, 
remo na transumância dos dias.  
O sonho, esse discípulo 
da noite dissipada, 
inspira-me à peregrinação.  
Agora não tenho fronteiras, 
mas quando o exílio da memória 
me retém o espelho dos dias 
ao sentido original das coisas 
regresso, porque é necessário 
ser contemporâneo do tempo.  
Agora, sim, professo: 
viver e abraçar os rumores 
do presente.

 

 MIA COUTO

 
Mia Couto


Companheiros

quero escrever-me de homensquero calçar-me de terraquero sera estrada marinha que prossegue depois do último caminhoe quando ficar sem mimnão terei escrito senão por vósirmãos de um sonhopor vósque não sereis derrotadosdeixo a paciência dos riosa idade dos livrosmas não legomapa nem bússola por que andei sempresobre meus pése doeu-meàs vezesviverhei-de inventar um verso que vos faça justiçapor orabasta-me o arco-írisem que vos sonho basta-te saber que morreis demasiadoviverdes de menos mas que permaneceis sem preçocompanheiros

 Gloria de Sant'Anna

 
Gloria de Sant'anna

Batuque ao Longe

Do fundo da noite a mesma toada batendo. (É noite de medo?) A mesma toada por sobre os telhados, trazendo mensagens que tombam desfeitas. (Coladas aos vidros há vozes de greda). A mesma toada roçando na porta, batendo. Por sobre as ramadas, calcando o capim, em volta da serra, caindo do espaço, em ecos de outrora por todos os lados.