PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 
Alda do Espírito Santo
 
Para lá da praia


Baía morena da nossa terra 
vem beijar os pézinhos agrestes 
das nossas praias sedentas, 
e canta, baía minha 
os ventres inchados 
da minha infância, 
sonhos meus, ardentes 
da minha gente pequena 
lançada na areia 
da Praia Gamboa morena 
gemendo na areia 
 da Praia Gamboa.
 

Canta, criança minha
teu sonho gritante 
na areia distante 
da praia morena.

Teu teto de andala 
à berma da praia.
Teu ninho deserto 
em dias de feira.
Mamã tua, menino 
na luta da vida 
gamã pixi à cabeça 
na faina do dia 
maninho pequeno, no dorso ambulante 
e tu, sonho meu, na areia morena 
camisa rasgada, 
no lote da vida,
na longa espera, duma perna inchada 
Mamã caminhando p'ra venda do peixe 
e tu, na canoa das águas marinhas ...
 

 — Ai peixe à tardinha
na minha baía...
Mamã minha serena
na venda do peixe.

 

***

 

LÁ NO ÁGUA GRANDE



Lá no "Água Grande" a caminho da roça 
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.  
Batem e cantam modinhas da terra.

Cantam e riem em riso de mofa 
histórias contadas, arrastadas pelo vento.

Riem alto de rijo, com a roupa na pedra 
e põem de branco a roupa lavada.

As crianças brincam e a água canta. 
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.

E os gemidos cantados das negritas lá do rio 
ficam mudos lá na hora do regresso... 
Jazem quedos no regresso para a roça. 


 


 TOMÁS MEDEIROS

 

Meu Canto Europa




Agora,

agora que todos os contatos estão feitos,

as linhas dos telefones sintonizadas,

os espaços de morses ensurdecidos,

os mares de barcos violados,

os lábios de risos esfrangalhados,

os filhos incógnitos germinados,

os frutos do solo encarcerados,

os músculos definhados

e o símbolo da escravidão determinado,





Agora,

agora que todos os contatos estão feitos, 

 com a coreografia do meu sangue coagulada, 

 o ritmo do meu tambor silencioso,

os fios do meu cabelo embranquecidos,

meu coito denunciado e o esperma esterilizado,

meus filhos de fome engravidados,

minha ânsia e meu querer amordaçados,

minhas estátuas de heróis dinamitadas,

meu grito de paz com chicotes abafado,

meus passos guiados como passos de besta,

e o raciocínio embotado e manietado,





Agora,

agora que me estampaste no

rosto

os primores da tua civilização,

eu te pergunto, Europa, 

eu te pergunto:

AGORA?
 

 COSTA ALEGRE

 Visão


Vi-te passar, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante;
Ias de luto, doce toutinegra,
E o teu aspecto pesaroso e triste
Prendeu minha alma, sedutora negra;
Depois, cativa de invisível laço,
(O teu encanto, a que ninguém resiste)
Foi-te seguindo o pequenino passo
Até que o vulto gracioso e lindo
Desapareceu longe de mim distante,
Como uma estatura de ébano no ambulante.

 ALMADA NEGREIROS

 

José de Almada Negreiros, artista polivalente.Amigo de Fernando Pessoa com ele pertenceu à geração de "Orpheu". O seu Manifesto Anti-Dantas gerou grande polémica.

Almada Negreiros nasceu em 1893, na roça da Saudade em S. Tomé e veio a falecer em 1970.

Enquanto criança veio viver para Portugal, tendo feito os seus estudos em Lisboa e em Coimbra. Frequentou a Escola Nacional de Belas Artes em Lisboa e entre 1919 e 1920 estudou pintura em Paris. Entre 1927 e 1932 viveu em Espanha e em 1934 casou com a pintora Sara Afonso. Almada Negreiros foi poeta, ensaísta, artista plástico, coreógrafo, romancista e dramaturgo. Juntamente com Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro pertenceu ao grupo Orpheu, tendo escrito alguns manifestos futuristas, nomeadamente o Manifesto Anti-Dantas.

Almada Negreiros foi uma das grandes figuras da cultura portuguesa do séc. XX, tendo mantido grande actividade artística a vários níveis durante toda a sua vida o que foi reconhecido através da atribuição de vários prémios.

 

Obra:


A Cena do Ódio, 1915
A Engomadeira, 1917
A Invenção do Dia Claro, 1921
Nome de Guerra, 1938
 

Sítios:

A Scena do Ódio, de Almada Negreiros
   http://ltodi.est.ips.pt/mmoreira/alm_neg.htm

Almada Negreiros
   http://www.instituto-camoes.pt/bases/literatura/almada.htm

Almada Negreiros, biografia – Projecto Vercial -
   http://alfarrabio.um.geira.pt/vercial/almada.htm

Almada Negreiros: vida e obra
   http://www.setubalnarede.pt/conectarte/figuras/7/almada.html

Almada Negreiros: vida e obra – Vidas Lusófonas
   http://www.vidaslusofonas.pt/almada_negreiros.htm

Biografia
   http://www.ipn.pt/literatura/almada.htm

Catálogo de obras de Almada Negreiros
   http://www.uc.pt/artes/6spp/jose_almada.html

Esperança
   http://viriato.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/almada.html

Orpheu – revista portuguesa consagrada ao futurismo
   http://www.citi.pt/cultura/artes_plasticas/pintura/almada/orpheu.html

 

 

 

Mãe!

Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.

Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!

Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

 

A INVENÇÃO DO DIA CLARO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 95

 

 

Rondel do Alentejo

 

Em minarete

mate

bate

leve

verde neve

minuete

de luar.

 

Meia-noite

do Segredo

no penedo

duma noite

de luar.

 

Olhos caros

de Morgada

enfeitada

com preparos

de luar.

 

Rompem fogo

pandeiretas

morenitas,

bailam tetas

e bonitas,

bailam chitas

e jaquetas,

são as fitas

desafogo

de luar.

 

Voa o xaile

andorinha

pelo baile,

e a vida

doentinha

e a ermida

ao luar.

 

Laçarote

escarlate

de cocote

alegria

de Maria

la-ri-rate

em filia

de luar.

 

Giram pés

giram passos

girassóis

e os bonés,

e os braços

destes dois

giram laços

ao luar.

 

O colete

desta Virgem

endoidece

como o S

do foguete

em vertigem

de luar.

 

Em minarete

mate

bate

leve

verde neve

minuete

de luar.