Baía morena da nossa terra
vem beijar os pézinhos agrestes
das nossas praias sedentas,
e canta, baía minha
os ventres inchados
da minha infância,
sonhos meus, ardentes
da minha gente pequena
lançada na areia
da Praia Gamboa morena
gemendo na areia
da Praia Gamboa.
Canta, criança minha
teu sonho gritante
na areia distante
da praia morena.
Teu teto de andala
à berma da praia.
Teu ninho deserto
em dias de feira.
Mamã tua, menino
na luta da vida
gamã pixi à cabeça
na faina do dia
maninho pequeno, no dorso ambulante
e tu, sonho meu, na areia morena
camisa rasgada,
no lote da vida,
na longa espera, duma perna inchada
Mamã caminhando p'ra venda do peixe
e tu, na canoa das águas marinhas ...
— Ai peixe à tardinha
na minha baía...
Mamã minha serena
na venda do peixe.
***
Lá no "Água Grande" a caminho da roça
negritas batem que batem co'a roupa na pedra.
Batem e cantam modinhas da terra.
Cantam e riem em riso de mofa
histórias contadas, arrastadas pelo vento.
Riem alto de rijo, com a roupa na pedra
e põem de branco a roupa lavada.
As crianças brincam e a água canta.
Brincam na água felizes...
Velam no capim um negrito pequenino.
E os gemidos cantados das negritas lá do rio
ficam mudos lá na hora do regresso...
Jazem quedos no regresso para a roça.
TOMÁS MEDEIROS
COSTA ALEGRE
Visão
Vi-te passar, longe de mim, distante,
Como uma estátua de ébano ambulante;
Ias de luto, doce toutinegra,
E o teu aspecto pesaroso e triste
Prendeu minha alma, sedutora negra;
Depois, cativa de invisível laço,
(O teu encanto, a que ninguém resiste)
Foi-te seguindo o pequenino passo
Até que o vulto gracioso e lindo
Desapareceu longe de mim distante,
Como uma estatura de ébano no ambulante.
ALMADA NEGREIROS
José de Almada Negreiros, artista polivalente.Amigo de Fernando Pessoa com ele pertenceu à geração de "Orpheu". O seu Manifesto Anti-Dantas gerou grande polémica.
Almada Negreiros nasceu em 1893, na roça da Saudade em S. Tomé e veio a falecer em 1970.
Enquanto criança veio viver para Portugal, tendo feito os seus estudos em Lisboa e em Coimbra. Frequentou a Escola Nacional de Belas Artes em Lisboa e entre 1919 e 1920 estudou pintura em Paris. Entre 1927 e 1932 viveu em Espanha e em 1934 casou com a pintora Sara Afonso. Almada Negreiros foi poeta, ensaísta, artista plástico, coreógrafo, romancista e dramaturgo. Juntamente com Fernando Pessoa e Mário Sá Carneiro pertenceu ao grupo Orpheu, tendo escrito alguns manifestos futuristas, nomeadamente o Manifesto Anti-Dantas.
Almada Negreiros foi uma das grandes figuras da cultura portuguesa do séc. XX, tendo mantido grande actividade artística a vários níveis durante toda a sua vida o que foi reconhecido através da atribuição de vários prémios.
Obra:
A Cena do Ódio, 1915
A Engomadeira, 1917
A Invenção do Dia Claro, 1921
Nome de Guerra, 1938
Sítios:
A Scena do Ódio, de Almada Negreiros
http://ltodi.est.ips.pt/mmoreira/alm_neg.htmAlmada Negreiros
http://www.instituto-camoes.pt/bases/literatura/almada.htmAlmada Negreiros, biografia – Projecto Vercial -
http://alfarrabio.um.geira.pt/vercial/almada.htmAlmada Negreiros: vida e obra
http://www.setubalnarede.pt/conectarte/figuras/7/almada.htmlAlmada Negreiros: vida e obra – Vidas Lusófonas
http://www.vidaslusofonas.pt/almada_negreiros.htmBiografia
http://www.ipn.pt/literatura/almada.htmCatálogo de obras de Almada Negreiros
http://www.uc.pt/artes/6spp/jose_almada.htmlEsperança
http://viriato.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/almada.htmlOrpheu – revista portuguesa consagrada ao futurismo
http://www.citi.pt/cultura/artes_plasticas/pintura/almada/orpheu.html
Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei! Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta cor de sangue, sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me ao teu lado. Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado! Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a mesa. Eu também quero Ter um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a mesa.
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
A INVENÇÃO DO DIA CLARO, LÍRICAS PORTUGUESAS, PORTUGÁLIA EDITORA, LISBOA, P. 95
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.
Meia-noite
do Segredo
no penedo
duma noite
de luar.
Olhos caros
de Morgada
enfeitada
com preparos
de luar.
Rompem fogo
pandeiretas
morenitas,
bailam tetas
e bonitas,
bailam chitas
e jaquetas,
são as fitas
desafogo
de luar.
Voa o xaile
andorinha
pelo baile,
e a vida
doentinha
e a ermida
ao luar.
Laçarote
escarlate
de cocote
alegria
de Maria
la-ri-rate
em filia
de luar.
Giram pés
giram passos
girassóis
e os bonés,
e os braços
destes dois
giram laços
ao luar.
O colete
desta Virgem
endoidece
como o S
do foguete
em vertigem
de luar.
Em minarete
mate
bate
leve
verde neve
minuete
de luar.