PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 ALDA LARA


Rumo




      É tempo, companheiro!

       Caminhemos ...

      Longe, a Terra chama por nós,

      e ninguém resiste à voz

       Da Terra ...





      Nela,

      O mesmo sol ardente nos queimou

      a mesma lua triste nos acariciou,

      e se tu és negro e eu sou branco,

      a mesma Terra nos gerou!





        Vamos, companheiro ...

        É tempo!





      Que o meu coração

      se abra à mágoa das tuas mágoas

      e ao prazer dos teus prazeres

         Irmão

      Que as minhas mãos brancas se estendam

      para estreitar com amor

      as tuas longas mãos negras ...

      E o meu suor

      se junte ao teu suor,

      quando rasgarmos os trilhos

      de um mundo melhor!





        Vamos!

      que outro oceano nos inflama.. .

         Ouves?

      É a Terra que nos chama ...

      É tempo, companheiro!

        Caminhemos ...

 Ana Paula Ribeiro Tavares

 
Biografia

ANA PAULA RIBEIRO TAVARES, nasceu no Lubango, província da Huíla, em 3 de outubro de 1952. Licenciada em História, é funcionária da Secretaria de Estado da Cultura. É membro da União dos Escritores Angolanos e autora de um caderno de poesia intitulado, RITOS DE PASSAGEM.

 Cerimônia de Passagem




        "a zebra feriu-se na pedra

        a pedra produziu lume"



     a rapariga provou o sangue

     o sangue deu fruto



     a mulher semeou o campo

     o campo amadureceu o vinho



     o homem bebeu o vinho

     o vinho cresceu o canto



     o velho começou o círculo

     o círculo fechou o princípio



        "a zebra feriu-se na pedra

        a pedra produziu lume"



Luanda, 85

 

 A Abóbora Menina




     Tão gentil de distante, tão macia aos olhos

     vacuda, gordinha,

    de segredos bem escondidos

    estende-se à distância

    procurando ser terra

    quem sabe possa

     acontecer o milagre:

    folhinhas verdes

    flor amarela

    ventre redondo

    depois é só esperar

    nela desaguam todos os rapazes.


Benguela, 83

 
Agostinho Neto
Angola, * 1822 -

  O Choro de África
 
 

O choro durante séculos
nos seus olhos traidores pela servidão dos homens
no desejo alimentado entre ambições de lufadas românticas
nos batuques choro de África
nos sorrisos choro de África
nos sarcasmos no trabalho choro de África

Sempre o choro mesmo na vossa alegria imortal
meu irmão Nguxi e amigo Mussunda
no círculo das violências
mesmo na magia poderosa da terra
e da vida jorrante das fontes e de toda a parte e de todas as almas
e das hemorragias dos ritmos das feridas de África

e mesmo na morte do sangue ao contato com o chão
mesmo no florir aromatizado da floresta
mesmo na folha
no fruto
na agilidade da zebra
na secura do deserto
na harmonia das correntes ou no sossego dos lagos
mesmo na beleza do trabalho construtivo dos homens

o choro de séculos
inventado na servidão
em historias de dramas negros almas brancas preguiças
e espíritos infantis de África
as mentiras choros verdadeiros nas suas bocas

o choro de séculos
onde a verdade violentada se estiola no circulo de ferro
da desonesta forca
sacrificadora dos corpos cadaverizados
inimiga da vida

fechada em estreitos cérebros de maquinas de contar
na violência
na violência
na violência

O choro de África e' um sintoma

Nos temos em nossas mãos outras vidas e alegrias
desmentidas nos lamentos falsos de suas bocas - por nós!
E amor
e os olhos secos.

 

Fogo e Ritmo
 

Sons de grilhetas nas estradas 
cantos de pássaros 
sob a verdura úmida das florestas 
frescura na sinfonia adocicada 
dos coqueirais 
fogo
fogo no capim
fogo sobre o quente das chapas do Cayatte.

Caminhos largos
cheios de gente cheios de gente 
em êxodo de toda a parte 
caminhos largos para os horizontes fechados 
mas caminhos
caminhos abertos por cima 
da impossibilidade dos braços. 
Fogueiras
dança
tamtam
ritmo
Ritmo na luz
ritmo na cor
ritmo no movimento 
ritmo nas gretas sangrentas dos pés descalços 
ritmo nas unhas descarnadas

Mas ritmo
ritmo.

Ó vozes dolorosas de África!

 

Noite

Eu vivo
nos  bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.

Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.

São bairos de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.

Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.

Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.

Também a noite é escura.

 Alexandre Dáskalos

 Carta




      Jesus Cristo Jesus Cristo

      Jesus Cristo, meu irmão

      Sou fio dos pais da terra

      Tenho corpo p'ra sofrer

      Boca Para gritar

      E comer o que comer

      Os meus pés que vão

      No chão

      Minhas mãos são de trabalho

      Em coisas que eu não sei

      E não tenho nem apalpo

      Trabalho que fica jeito

      Para o branco me dizer

      "Obra de preto sem jeito"

      E minha cubata ficou

      Aberta à chuva e ao vento

      Vivo ali tão nu e pobre

      Magrinho como o pirão

      Meus fios saltam na rua

      Joga o rapa sai ladrão

      Preto ladrão sem imposto

      Leva porrada nas mãos

      Vai na rusga trabalhar

      Se é da terra vai para o mar

      Larga a lavra deixa os bois

      Morre os bois ... e depois?

      Se é caçador de palanca

      Se é caçador de leão

      Isso não faz mal nenhum

      Lança as redes no mar

      Não sai leão sai atum ...

      Jesus Cristo Jesus Cristo

      Jesus Cristo meu irmão

      Sou fio dos pai da terra

      Um pouco de coração

      De coração e perdão

      Jesus Cristo meu irmão.