PICADEIRO DAS EMOÇÕES

OS PRATOS NO VARAL 

Jorge Linhaça

 
Ocorre-me hoje uma frase bem popular e que , por ser popular, carrega em si muita verdade,mas ao mesmo tempo, por ser tão corriqueira, raramente nos damos conta de analisá-la com profundidade.
"Cuspiu no prato em que comeu! "
É claro, em um primeiro momento, que a frase se refere à ingratidão demonstrada pelas pessoas contra alguém ou a alguma instituição.
Talvez a frase seja usada para demonstrar  o quanto alguém pode sentir-se usado em um relacionamento, seja ele de que tipo for:
Numa relação amorosa; numa relação profissional; de amizade; etc.
O fato é que nós muitas vezes nos sentimos como os pratos...cuspidos e descartados quando nossa "utilidade" chega ao fim.
Outras vezes somos acusados, as vezes com razão, em outras não, de sermos o cuspe que atinge o prato. Com o tempo passamos a perceber que nossos papéis se alternam nessa disputa entre o cuspe e o prato.
Qualquer ruptura de relacionamento há de ter dois lados da mesma questão...cada qual  há de sentir-se prato  e atribuir ao outro o papel de cuspe...raramente fica claro para qualquer dos envolvidos ou espectadores quem atirou a primeira pedra, ou melhor, quem deu a primeira cusparada.
O fato é que , quando o catarro atinge o prato de fulano, passa a atuar uma lei da fisica que diz que a toda ação corresponde uma reação de igual força e intensidade, assim sendo, seja por defesa de seu território, ( ou no caso, de seu prato), seja por seu próprio sentimento de mágoa , fulano normalmente revida a cusparada no prato de sicrano...
O que fazer então nessa guerra de cusparadas? Silenciar? Reunir a maior quantidade de catarro possível? Não sei se existe uma única resposta, cada um tem seus próprios paradigmas de vida, ou seja cada um tem a sua própria visão de como deve agir em cada momento.
Quem silencia pode achar que está evitando polêmicas desnecessárias, mas ao mesmo tempo, se apenas o faz para fugir ao debate da questão e escondido por trás de uma aparente mudez cospe em outros ouvidos que é um pobre prato agredido e injustiçado, apenas reforça o seu papel de vítima  buscando assim resguardar-se de dar explicações sobre o ocorrido de modo que possa ser contestado.
Por outro lado, quem reune a mior quantidade de catarro possível para atingir o prato de outro, embora paradoxalmente jogue mais limpo que o primeiro, acaba por se expor a críticas ácidas por parte de quem não quer ouvir ou aceitar a sua versão, por mais embasada que ela seja em fatos concretos.
Lavar os pratos é o verdadeiro desafio que se apresenta nessa questão:
Como limpar os escarros lançados  alternadamente nos pratos dos envolvidos?
Bem, eu acredito que isso é mais fácil de se realizar quando existe boa vontade de ambas as partes em resolver a questão o mais prontamente possível, antes que o muco se impregne e seque sobre a louça. Ainda que as posições sejam mantidas por fulano ou beltrano, o debate da questão sempre serve para aclarar as motivações de cada um.
Às vezes uma das partes busca o entendimento ou o esclarecimento das questões, enquanto a outra silencia em seu canto...essa diferença de comportamento obviamente afasta o diálogo e, uma questão que poderia ser resolvida co um pouco de boa vontade de ambas as partes, perpetua-se em ecos  ao correr do tempo.
Pode-se lavar os próprios pratos e deixar que o outro aja da mesma maneira, mas isso não resolve a questão...sempre ficará na memória o sentimento de asco com o catarro que foi retirado do seu próprio prato, e óbviamente sempre haverá a questão de que " quem cala consente e assume a culpa". Quem foge a uma solução, evita o diálogo, e se esconde por trás da máscara de uma aparente superioridade apenas perpetua as rusgas. Existe uma citação empregada pelos advogados em muitos casos, de que: " mais vale um mau acordo do que uma boa demanda".
Eu de minha parte prefiro lavar os pratos e, errado ou não, ai depende do ponto de vista, pendura-los no varal para secar, deixando que o sol atue como antisséptico natural para eliminar as bactérias que porventura resistiram á ação da água e do detergente.
Claro que há os que apenas passam uma toalha de papel descartável para retirar o muco acumulado no prato  e o escondem no meio de outros contaminando-os , assim como há aqueles que se iludem achando que descartar o prato é a melhor solução para qualquer problema.
Qual dessas soluções é a melhor?
Sinceramente não sei, a única coisa que me ocorre é que, quando as coisas são feitas às claras sem medo de errar ou acertar, é mais fácil solucionar problemas de diferenças de opinião, quando, no entanto, se opta pela obscuridade das ações, em conchavos secretos, apenas se perpetuam e aumentam as distâncias de opinião e os mal entendidos.
Então...vamos lavar e secar nossos pratos ou deixar que o mofo tome conta deles para que os exibamos como troféus pelo resto de nossas vidas?
 
 
A MOÇA DO METRÔ
Jorge Linhaça
17/08/2005
 
              Din don...próxima estação...na verdade não sei bem qual era a estação,mas
 era alguma entre as estações Sé e  Santa Cruz.
             O metrô aproximou-se preguiçosamente da plataforma como se fora uma
imensa serpente de metal.
             Meus pensamentos devaneavam sem paradeiro e meus olhos procuraram
a plataforma oposta, sem buscar nada de especial, olhando por olhar, foi quando a vi...
             A moça estava ali languidamente recostada na parede da plataforma, não era
de uma beleza dessas que a mídia nos vende de corpos magros e longuilíneos, pelo
contrário, parecia ter saído de alguma gravura antiga quando as mulheres eram polpudas
cheias em suas formas.
             Sua beleza não estava na falta, e sim na fartura de carnes como se ela tivesse
saído de alguma pintura renascentista.
            A moça usava uma minissaia preta que deixava ver as suas coxas grossas
e pernas alvas bem torneadas como se fossem colunas esculpidas em mármore de
Carrara...usava uma bata de bicos,de um tecido branco tão diáfano que nada escondia
 seus seios estavam quase à mostra, cobertos apenas pelo sutiã branco.
           Mas não foi a beleza da moça que me chamou a atenção, e sim a sua postura, , sua perna direita flexionada para traz apoiava-se na parede, seu corpo estava totalmente
 relaxado, seus olhos fitavam algum ponto de fuga indecifrável, sua leveza de espírito era
algo atrativo.Seus olhos fitavam o vazio como que a denunciar que ela estava de fato em
algum lugar de um passado recente, revivendo momentos de profundo significado para ela.
          Seus lábios entreabertos como que suspiravam de prazer, em seu braço esquerdo
 carregava, como quem embala um bebê recém nascido, uma rosa vermelha como o
 batom que usava,, embalada em um cone de acetato, ornada com um ramo de trigo.
          Ela sorria enlevada pelas recordações recentes, o brilho nos seus olhos denunciava
a descoberta recente do sentir-se amada, desejada, mulher enfim.
           Não sei de onde vinha aquela moça de cabelos úmidos, nem mesmo para onde ela ia,
por certo na direção oposta à minha, já que estava de outro lado do metrô, mas sei que ela
estivera a pouco tempo nos braços de algum homem que soubera despertar nela a força
da paixão, não sei se era seu namorado, seu noivo, seu amante...mas ela estava de tal forma
 inebriada com suas lembranças que pouco se dava conta de onde estava, ou melhor de onde
estava o seu corpo, pois seus pensamentos, alma e espírito por certo estavam ainda na
companhia do seu misterioso praceiro.
            Piiiiii...o ruído estridente do aviso de fechar as portas avisa-me de que é hora da
composição reiniciar a viagem...o trem começa a mover-se e eu dou um sorriso cúmplice para
a moça que  pousou seus os olhos sobre mim naquele instante...ambos compreendemos
que aquela sua postura, aquele seu olhar, aquele sorriso singelo em seu rosto eram apenas e
tão somente sintomas de uma doce doença que a acometera, eram sintomas da descoberta
de quem enfim conhece as delicias do doce sentimento do amor. 
 
 
 
Visões de um parapeito
Jorge Linhaça
 
Dia chuvoso em Porto Alegre...
Bah, acho que vou sentar no parapeito aqui do prédio e escrever, pensei eu...
E assim foi, devidamente acomodado no parapeito passei a observar
as pessoas lá embaixo, na rua...muitas andavam apressadas, corriam
até, para escapar da chuva teimosa que insistia em cair sobre eles.
O asfalto escurecido e a semi-escuridão causada pelas nuvens escuras
davam um ar de melancolia à cena.
Subitamente lembro-me de Quintana a falar dos cataventos, na verdade
os cataventos que vejo não são as saias rodadas das moças, mas os guarda chuvas coloridos a cobrir as faces e corpos daqui do meu angulo de visão.
Um catador de papelão sobe a rua, vestido de saco de lixo, na tentativa de
proteger o corpo da chuva. Besta-humana, a ser animal de tração de sua carrocinha,
onde carrega, quiçá, o sustento de sua vida marginal.
Os outros ignoram a cena, talvez já acostumados a ela.
Se eu não estivesse no parapeito talvez não lhe desse maior importância.
O salão de estética, na esquina oposta, continua seu movimento de mulheres
em busca da juventude eterna...contraste absurdo com o carroceiro.
Repentinamente percebo que algumas pessoas se dão conta de mim...
Primeiro dois homens na porta da agência de correio comentam algo entre si.
Depois uma janela do prédio em frente se abre e uma mulher me olha curiosa.
Do outro lado da esquina, primeiro uma moça e depois vários funcionários
de um possível escritório se juntam diante da janela com olhares assustados,
achando talvez que eu estivesse escrevendo um bilhete suicida,
imaginando qual seria o seu teor, as faces exprimiam uma preocupação mista de curiosidade, normal nesse tipo de situação.
Engraçado como as pessoas esperam sempre pelo pior...parecem mesmo ansiar ver uma cena
diferente para contar aos amigos durante o resto de suas vidas.
Permaneço mais um pouco de tempo ali, escrevendo, mas resolvo sair de meu
mirante improvisado antes que alguém incomode os bombeiros e a brigada militar.
Já imaginaram ser capa do Zero Hora, ou do Diário gaúcho com uma singela manchete:
"Escritor suicida resgatado no Centro de POA". 
A minha foto logo abaixo, na escada dos bombeiros, com uma legenda do tipo...
"Jorge Linhaça foi impedido a tempo de cometer suicidio, pelos valorosos soldados do fogo".
Ninguém merece...
Mas quem sabe assim eu não ia parar no programa do Jô?
Huummm,  é um caso a se pensar....
 
 

EH,CaraPau!

Jorge Linhaça


Estou a ver que hei de tentar ser "Pau pra toda obra", embora não me apeteça tanto falar do Pau, inda mais depois dos belos trabalhos, "Paus de dar em doidos", que li.
Mas como não sou do que "fogem do Pau", ( olhem lá o que estão a pensar, só não me esquivo aos desafios).
Ainda mais sendo PAUlista e PAUlistano, nascido e criado na minha louca PAUlicéia- além de ser são PAUlino-, não hei de deixar o meu Pau, por quantas PAUladas eu leve.
Existe uma brincadeira musicada que diz assim:

"Paulista sem pau é lista
Paulista sem lista é pau
tirando o pau do paulista
paulista fica sem pau"

Eu hein! Deixem cá o meu pau sossegado, ele não está a incomodar ninguém...

Mas lá voltando ao PAU;  longo, roliço e reluzente herói deste desafio, fico cá a pensar em minha mocidade, a brincar com a "espada de Pau" sem ter uma bainha onde guarda-la.
Como não havia mesmo outra hipótese, era com a mão que a empunhava em riste, e lá
ia a espada a escarafunchar grutas imaginárias até melar-se na lava dos dragões
Há também as casas de Pau-a-pique, cujo nome per si já dá o que falar, inda mais se forem iluminadas com luzes vermelhas.
O mais interessante é que nessas casas os paus são entrelaçados para dar-lhes sustento, ou seja sem os paus entrelaçados a casa vem logo abaixo.
Há quem goste, eu de minha parte deixo lá esses paus de lado.
E cá, nas festas juninas não pode faltar o famoso Pau-de-sêbo para onde alguns mais afoitos correm a tentar escala-lo subindo e escorregando por ele na esperança de apanhar a prenda estratégicamente colocada em seu topo.
Nem é preciso dizer que saem de lá todos doloridos pelo esforço e ainda mais, ensebados.
Ainda nessas festas é bonito de se ver, moças e rapazes a pegar na vara, prima mais delicada do Pau, a tentar pescar a maior prenda ofertada.
Eu como sou cara-de-Pau, prefiro lá a barraca dos beijos.
Mas o que não fico mesmo é plantado como um ás-de-Paus à espera da festa acabar.
Um dos meus heróis dos quadrinhos, mais tarde dos desenhos animados e já agora em filme,
é "o Coisa" do quarteto fantástico, que na falta de um bordão melhor, atira-se á luta gritando " Tá na hora do Pau"   mesmo sendo ele feito de pedra.
Coitados dos vilões, que ao verem aquele brutamontes a correr em sua direção, com o singelo bordão a sair de sua pétrea garganta, devem correr esbaforidos a pensar no que ele está realmente a querer dizer.
Afinal seguro morreu de velho, não é mesmo? Eu é que não lá ficava para constatar os resultados.
E para não PAUlifica-los mais com meu Pau, vou aqui me despedindo, para não me tornar algo como um Pau-de -cabeleira...

EH CaraPau!

 

 

DIAMANTES NÃO SE MOLDAM

Jorge Linhaça

 

Diamantes não se moldam, lapidam-se, limpam-se suas arestas, dá-se polimento, mantendo-se as suas características mais preciosas. 

Os verdadeiros diamantes não são formatados ao bel prazer do  mestre joalheiro, pelo contrário; é a maestria deste que faz com que perceba a forma final da pedra com a qual trabalha.

De um diamante, retiram-se os excessos, respeitando o núcleo da gema preciosa que se tem nas mãos. A forma já é pré-existente, é apenas estimulada a surgir em sua plena beleza.

Ao contrário de um vaso de barro, os diamantes não admitem ser moldados ao bel prazer do artista, afinando ou engrossando as suas paredes, acinturando ou dilatando o seu bojo.

O diamante já existe por si, não é fruto da manipulação de uma matéria prima disforme.

A argila, nas mãos de um brilhante oleiro, ganha formas magistrais; nas mãos de um artista, ganha cores e desenhos intrigantes, quando o barro é cozido, vitrificado, envernizado, etc, criam-se verdadeiras obras de arte de imensa beleza ou singeleza funcional.

O valor do vaso é fruto da perícia do artista, de sua habilidade em tornar a matéria prima bruta em um objeto de valor agregado.

Os diamantes, ao contrário,  já tem seu valor por si mesmos, independem das mãos do artista para que tal valor exista. O que o artista faz é simplesmente extrair do diamante o melhor  de si, tornando-o mais brilhante, polindo suas arestas, lapidando-o e incrustando-o em jóias delicadamente trabalhadas para receber a pedra preciosa.

Se, da argila, faz-se ao mesmo tempo vasos de fina porcelana ou rústicos e funcionais tijolos ou blocos, ou ainda, apenas se abandona num canto a matéria prima, até que se encontre utilidade para ela; dos diamantes não saem senão diamantes. Ninguém deixa um diamante descansando num canto,... antes se valoriza a pedra bruta que se tem nas mãos, trabalha-se sobre ela até extrair o máximo que sua beleza pode oferecer.

Vasos, por maior que seja seu valor e beleza, quebram-se, descascam-se, lascam-se, perdem a cor e o brilho...diamantes jamais se partem. Diamantes são eternos!

Podem ter seu brilho embotado pela poeira do tempo, as jóias onde estão incrustados podem partir-se, mas o diamante sobrevive, sua essência persiste.

Os seres humanos, em sua magnífica diversidade, são blocos de argila ou diamantes brutos. Reconhecer o que se tem nas mãos é tarefa que só pode ser plenamente desempenhada  por quem tenha em si a capacidade de ver  com olhos atentos.

Quando nos falta a sensibilidade e a perícia para perceber a diferença entre um e outro, muitas vezes procuramos pegar um diamante e tentar moldá-lo às nossas exigências. Ora, como um diamante não se molda dessa maneira, com essa facilidade, acabamos por confundí-lo com um pedaço de argila impuro, e o descartamos como algo de pouco valor.

Pessoas manipuladoras, via de regra, preferem trabalhar com argila, `a qual, com algum esforço, tornam úteis aos seus objetivos mais imediatos, moldando-a à seu bel prazer.

Já o mestre joalheiros, acostumados a compreender que a beleza vem de dentro para fora, precisando apenas ser desvendada, não tem pressa em seu labor, e não se importam se o diamante trabalhado, ficará ou não em suas mãos, o seu propósito, do mestre, é fazer brilhar a jóia, sua satisfação é a de realizar um trabalho bem feito, sabe que o fruto de sua dedicação não repousa nas vantagens imediatas que seu trabalho possa oferecer, e sim no brilho próprio da gema que passou por suas mãos. 

Diamantes ou argila, oleiros ou mestres joalheiros, opções de papéis que podemos exercer em nossas vidas.

Quando assumimos o nosso papel, e deixamos de lado as opiniões, nem sempre isentas de interesse, de outras pessoas, passamos a caminhar pelo nosso próprio caminho, com o coração leve e sereno, livre dos falsos sorrisos e do peso de abrir mão de nossa felicidade para agregar os aplausos do mundo ou parte dele.

Nem sempre é fácil a caminhada, mormente diante de opções que nos façam escolher entre fazer parte dos vasos expostos em uma galeria, reproduzindo o que todos fazem, ser mais um entre outros tantos, recebendo o aplauso comedido dos iguais, ou preservar conosco os diamantes que a vida nos oferece, vez por outra, em sua forma bruta e que desistimos de lapidar, às primeiras dificuldades, ou por que não nos sentimos capazes de tal tarefa, ou por que não percebemos seu valor, ou ainda por que nos importamos demais com as aparências e com que os outros possam achar de nossa insistência.

Oleiros há muitos, não é preciso muito para se fazer tijolos, um pouco mais para se esculpir o barro. Mestres joalheiros são mais raros, mais especializados, assim como os diamantes são mais raros do que a argila.

Deus não põe diamantes nas mãos de oleiros para que sejam lapidados, se um diamante te cair nas mãos, saibas que tens a capacidade de lapidá-lo.

Não trate diamantes como argila! Saiba ver o seu brilho escondido; aprenda com ele, e por certo, ao mesmo tempo que lapidas a pedra, tua própria alma sofrerá as transformações necessárias para o teu próprio crescimento.

Mas, se desprezas o diamante, e a riqueza da experiência, preferindo ser barro ou oleiro, pode ser que , nunca mais, tenhas um diamante em tuas mãos.

Já, a argila...

 
SERAPIÃO
Jorge Linhaça
 
   Engraçado como as pessoas não pensam direito na hora de extrema felicidade.
   Vejam só o caso de meu amigo, após uma longa espera para ter um filho macho, varão, alguém para perpetuar o nome da família, seu pai correu ao cartório e o registrou.
   Até ai tudo bem, afinal pela lei as crianças devem ser registradas para terem uma identidade.
   Mas existem nomes que mais do que nomes são profecia.
   Meu amigo cresceu peralta como todo garoto que se preza, azarou as meninas no momento certo, estudou, se formou na faculdade e tudo mais.
   Mas como todo o brasileiro que se preza, não foi lá muito bem sucedido na busca de empregos dentro de sua área, umas vezes diziam que ele não tinha experiência, outras que era qualificado demais para o trabalho, outras simplesmente diziam que a vaga já havia sido preenchida sem maiores explicações.
   Conseguiu assim um trabalho aqui e outro acolá, tipo free-lancer, os anos foram passando e a situação nada de melhorar, cada vez mais velho, o mercado de trabalho cada vez mais competitivo, as oportunidades escasseando, os bacurizinhos para alimentar.
   Aí amigo, não tem quem mantenha o orgulho do diploma lindamente emoldurado na parede mas sem serventia. Foi procurar trabalho ao vez de emprego e aí a decepção era maior ainda, ninguém queria contrata-lo por que ele tinha instrução demais, foi quando a idéia surgiu em sua cabeça. Passou a omitir a sua instrução, aprendeu a falar meio que errado, e finalmente encontrou uma ocupação.
   Hoje meu amigo trabalha na construção civil, não como engenheiro formado, mas carregando carrinhos de cimento e latas na cabeça na cabeça, meu amigo para ter como comer, virou peão de obra e sonha...sonha um dia ser presidente da república, afinal um outro peão chegou lá.
   O problema é que meu amigo carrega consigo uma profecia, que me impede de acreditar nessa hipótese,o seu pai como que adivinhando o destino do filho batizou-o simplesmente como
SERAPIÃO.
 
 
**SER OU NÃO SER MULHER **
Jorge Linhaça
 
 
Falar de mulheres nesta data, em que todos vão canta-las (no bem sentido)
em prosa e verso, é um exercício mas complicado que o normal.
Como definir a mulher, esse ser de tantas facetas, e que hoje, se confunde,
no ser e no agir, tanto com os homens...
Os papéis andam tão confusos que fica, às vezes, impossível separar alhos de bugalhos.
A "libertação" da mulher ( ou do ser humano em geral ) sempre foi uma faca de dois gumes.
E não apenas para os homens.
Com as mudanças da sociedade nas últimas décadas, as mulheres ganharam espaço em muitos aspectos, por outro lado, perderam a sua identidade feminina em muitos casos.
A masculinização do pensamento feminino, levou a geração de conflitos diversos.
A autonomia feminina, a auto-suficiência, muitas vezes leva ao pensamento de que não é
necessária a convivência dioturna com um cônjuge ( seja qual o for o nome que se de a essa relação)
Não me julguem misógino, nem anti-feminista, não é esse o caso, jamais foi, mas apenas expresso aqui minha visão ( fragmentada ou não ) das relações sociaIs que presencio em vários locais.
Um discurso particularmente interessante é aquele feito por mulheres auto-suficientes, ou independentes, de que não existe a necessidade e nem o desejo de um parceiro em tempo integral.
Homem é bom como amante esporádico, cada um em sua casa, para curtir apenas os momentos mais suaves e românticos de uma relação a dois.
O interessante é que, as mesmas que fazem esse discurso, dizem que precisam de um contraponto em suas vidas, que querem alguém para amar e que as ame profundamente.
Para mim, isso é um paradoxo importante. Senão vejamos:
Como pode alguém, amar profundamente o que não conhece?
Se os casais se encontram apenas para viver momentos agradáveis, apenas na hora do bem bom,
se não convivem sob o mesmo teto, como se pode crer que exista um conhecimento real?
Amar o desconhecido é idealizar um amor que se reveste da máscara dos bons momentos.
Essa atitude, que sempre foi criticada pelas mulheres , como um defeito inerente ao ente masculino,
cada vez mais ganha espaço entre o pensamento feminino...espalha-se como uma rastilho de pólvora, seja verdadeiro ou não o discurso perpetuado.
O fato é que, quanto mais as mulheres se entregam a uma segunda ou terceira relação, mais reforçam o sentimento de inadequação de um relacionamento completo.
Não isento aqui os homens que pensam da mesma forma, afinal vivemos em tempos em que o ter ( dinheiro, prestígio, fama, status, pose, etc) valem mais do que o ser ( honesto, verdadeiro, transparente, objetivo etc)
Mulheres são seres especiais, anjos de luz, mas, quando escolhem tornarem-se receptoras e multiplicadoras dos defeitos masculinos, perdem muito do seu brilho.
Masculinizar-se não é apenas um critério de opção sexual, é muito mais uma  questão de opção de vida. É o assumir atitudes masculinas, em nome de uma pseudo-igualdade, é sublimar a alma feminina para tornar-se "forte e competitiva". Os homens ainda tem uma "desculpa" o tal do testosterona que afeta as suas relações, não apenas no âmbito sexual, mas frente à vida.
E as mulheres?
Claro que admiro uma mulher que tem sucesso em seus empreendimentos pessoais, profissionais,
que se destaca como uma guerreira, seja qual for o seu campo de atuação.
Mas por outro lado, o que mais vejo é que o preço não vale a pena.
Examinando o custo-benefício, acabo por crer que, na maioria das vezes, essas mulheres pagam o preço da ausência afetiva, os filhos são supridos de tudo de material que possam desejar, no entanto, o afastamento emocional, causa cicatrizes quase que indeléveis na formação do indivíduo.
Calma lá, sei que existem mulheres que conseguem equilibrar as coisas, que encontram solução para esse problema, ou ao menos acreditam que sim.
Mas a vida tem me mostrado várias situações em que, o comportamento dos adolescente ou adultos, torna-se, em níveis diversos, problemático.
Não estou defendendo que as mulheres deixem a sua vida profissional de lado, longe disso, apenas que encontrem o equilíbrio entre o ser e o ter.
Numa sociedade que cultua o consumismo exacerbado, muitas são as mulheres ( e homens também) que se deixam levar pelo desejo de possuir cada vez mais, e transferem isso para os filhos, como uma forma de compensação pela sua ausência constante. Claro que isso não é, na maioria dos casos, consciente...creio que nenhum pai ou mãe pretenda levar os filhos a um ciclo de falta de limites ou de eterna dependência...mas basta avaliarmos o número crescente de adultos que permanecem morando com os pais depois dos trinta anos....
Não é minha intenção crucificar ninguém, mas creio que uma reflexão nesse sentido se faz necessária.
As mulheres, por suas qualidades intrínsecas, sempre foram o esteio da sociedade, sempre foram o alicerce de um lar...embora o homem tenha desempenhado o papel de provedor das coisas materiais, era em casa que encontrava a base estrutural para manter-se em pé.
Com as mudanças das relações sociais, e isso vem desde a revolução industrial, quando as mulheres e crianças foram agregados como força de trabalho, mão de obra barata, alijadas de muitos direitos.
Creio que a questão não seja deixar de trabalhar ou de exercer as suas atividades, mas sim de buscar aquele tempo necessário para a agregação da família.
A figura masculina tem a sua importância dentro de uma família, é ele que cria os limites de comportamento diante dos filhos. A falta de tal figura ( e isso digo com a experiência de anos de trabalho junto a crianças e adolescentes  oriundos de lares desfeitos ou problemáticos ) gera a necessidade da busca em outros lugares, onde a figura de qualquer líder ( pode ser o traficante local ou o Líder religioso ou esportivo etc ) passa a ser um totem a ser imitado.
Alijar a si mesma e aos seus filhos, da presença de uma figura masculina alegando que precisa de liberdade para agir a seu modo, é uma maneira egoísta, e não altruísta ( embora muitas usem esse discurso de não ter alguém ao seu lado por causa dos filhos ) de se viver.
Não vou propor nenhuma fórmula mágica de sucesso, creio que cada um sabe onde lhe aperta o calo e , portanto, cada um deve encontrar os seus próprios caminhos, no entanto pode ser que para algumas e alguns, este meu parecer seja de alguma valia.
Às mulheres maravilhosas, espalhadas pela imensidão do universo, vai o meu carinho e os meus parabéns por cada conquista realizada ao longo de sua jornada.  
 
 
 SOBRE A MINHA AMADA HÓSPEDE
                                                   BY JORGE LINHAÇA
 
 
 
                           Do alto de meus 40 e  poucos anos, ponho-me a refletir sobre esse grande problema que aflige a humanidade ao meu redor.
                           Tema de vários simpósios de amigos...prato aparentemente cheio para os piadistas de primeira hora...( que por fim descobrem que era melhor não conhecer a tromba do elefante ou o bracinho da criança) .
                           O problema está longe de ser só meu...mas, como não tenho procuração dos outros para falar ( e nem conhecimento das causa individuais de cada um), vou procurar analisar fria e calculisticamente o meu caso especifico.
                           Primeiro, não sei como, ela foi aparecendo, assim meio que disfarçadamente, veio de mansinho..ameaçava ir embora mas acabava voltando...o fato é que ela apareceu...pior resolveu hospedar-se definitivamente por aqui...
                           Já me falaram para racionar a alimentação dela...para pôr cadeado na geladeira...
( que coisa mais feia...negar alimento aos necessitados) para leva-la para longos passeios diários de uma ou duas horas...( como se ela fosse se cansar mais do que eu)...
                           Disseram para não dar mais refrigerante e nem qualquer liquido na hora das refeições, que ai ela vai saindo de fininho...putz... já pensou aquele prato de feijoada...aquela macarronada de domingo...aquela pizza de 4 queijos...aquela.....hummm  (melhor parar que já ta me dando fome)  sem um copinho de nada para ajudar a descer??  isso é muita crueldade com a pobrezinha ( sem contar comigo, claro).
                            Chegaram ao ponto de sugerir que eu deveria leva-la para umas sessões em uma academia...que depois de um tempinho ela se cansava e ia embora...pode até ser, mas fiquei cansado só de pensar em ir até a tal academia...sem contar na parte financeira da coisa...
                             A verdade é que com o passar dos anos ( isso mesmo faz anos que ela está aqui) a gente vai se acostumando com a danada...criando um certo carinho...uma coisa meio que romântica entende...?            
                            Afinal foram anos cultivando essa cumplicidade e vendo-a crescer lentamente...
por que então de uma hora para outra querer se livrar da única companhia feminina inseparável que tenho ? 
                           Minhas ex esposas me deixaram...levaram as filhas junto ( e o filho também )
minhas antigas namoradas viviam reclamado de minha hóspede... por mais que eu explicasse que eram relacionamentos completamente diferentes...que o fato de convivermos os três na mesma cama não era problema algum...que fazer amor assim era algo até mais interessante...afinal minha hospede podia servir de travesseiro...ajudar a dar um efeito gangorra...coisas do gênero....
                           Elas se conformavam por um tempo....algumas até adoravam a minha hóspede...mas a verdade é que elas também se foram...só minha amiga de tanto tempo me faz companhia no leito...sempre coladinha em mim...
                           Os amigos dizem que preciso dar um perdido nela...que ela atrapalha pra conseguir mulher...que é um peso desnecessário em minha vida...mas fazer o que??
                            Minha quase futura sogra diz que homem que não tem uma hóspede dessas não tem pedestal para o coração...concordo com ela...em termos de pedestal meu coração está bem servido... 
                           Por isso vou remando contra a maré da ditadura dos saradões...vou tratando minha querida amiga a muita pizza e massas...afinal ela gosta de tudo que eu gosto...compatibilidade plena de gênios...
                           Foram 43 anos para chegarmos a esta forma...será que seria justo...digam-me vocês...seria justo depois desse tempo todo ( uma vida) cultivando essa amizade, joga=la fora...despreza-la...apenas para atender os que se alienam vendo corpos esculpidos na TV??/
                            Não meus amigos...para mim... depois desse tempo todo...jamais deixaria ir embora...de uma hora para outra a minha amada...cúmplice...inseparável...e fofinha....
                             
                    barriga !!!  
 
25 de abril de 2005