PICADEIRO DAS EMOÇÕES

 

JULIÃO SOARES SOUSA

 CANTOS DO MEU PAÍS


Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas américas


Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar


Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças


Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País


                         (Um novo amanhecer, 1996)

 TONY TCHECA

 A PROMETIDA

Dóli só
Djena sem ninguém
do romance inocente
a tragédia bacilenta

papá homem grande
se meteu
uma vaca
um saco de farinha
um tambor de cana
umas folhas de tabaco

a permuta
a prometida

três
    dias
        depois
              da lua

com fome de amor
boca acre não come
com sede de ternura
garganta seca rejeita água
as lágrimas engrossam
e rolam
no rosto macilento

Djena dezassete chuvas
Djena uma vida por viver
Djena a prometida
Djena mulher de hoje
tem fome
    não come
tem sede
    não bebe

corpo de mulher
inerte como o silêncio
firme como a recusa
repousa intacta
num sono inviolável


        (in "Vozes poéticas da lusofonia",Sintra, 1999)

 
Vasco Cabral

 

O Ultimo Adeus Dum Combatente




     Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste

     sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.

     Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade

     sofri na alma um amargor quando choraste.





     Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!

     Nem só o teu amor me traz a felicidade.

     Quando parti foi por amar a Humanidade

     Sim! foi por isso que eu parti e tu ficaste!





     Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste

     será a dor e a tristeza de perder-me

     unicamente um pesadelo que tiveste.





     Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me

     e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste

     que eu conserve em ti a esperança de rever-me!

 Antônio Baticã Ferreira

 Infância




     Eu corria através dos bosques e das florestas

     Eu corno o ruído vibrante de um bosque desvendado,

     Eu via belos pássaros voando pelos campos

     E parecia ser levado por seus cantos.





     Subitamente, desviei os meus olhos

     Para o alto mar e para os grandes celeiros

     Cheios da colheita dos bravos camponeses

     Que, terminando o dia, regressavam à noite entoando





     Canções tradicionais das selvas africanas

     Que lhes lembravam os ódios ardentes

     Dos velhos. Subitamente, uma corça gritou

     Fugindo na frente dos leões esfomeados.





     Aos saltos, os leões perseguiram a corça

     Derrubando as lianas e afugentando os pássaros.

     A desgraçada atingiu a planície

     E os dois reis breve a alcançaram.